Não faço ideia de que hora são. Fechei há pouco a bonita capa de “The Kiss of Deception”, escrito por Mary E. Pearson e caprichosamente publicado pela editora Darkside, e me guardei em silêncio. Não sei se você compartilha desse hábito, mas eu costumo olhar por um longo tempo o teto deixando os fragmentos do que li tilintando atrás dos olhos. De repente, percebo a música, que geralmente escuto para abafar os ruídos da rua, - ela parou de tocar. Está bem tarde, quase dia. Deveria dormir. Mas não vou. Não posso guardar isso comigo. Preciso contar para você o que senti nestes últimos dias de leitura.
A protagonista se chama Lia, princesa do grande reinado de Morrighan, prometida em casamento contra sua vontade ao príncipe de Dalbreck por motivos políticos, sem nem ao menos conhecê-lo. A história, em primeira pessoa, começa com sua fuga para a região sudeste, onde consegue trabalho servindo em uma estalagem. Decide que ali será início de uma nova vida de liberdade. Mas não demora muito até conhecer dois belos forasteiros: Kaden e Rafe. Desse contato, a trama se desenvolve num triângulo amoroso, culminando na descoberta de que um deles é o príncipe de Dalbreck, e o outro é um assassino enviado pelo Reino de Venda para matá-la.
A jornada de Lia é uma transição da ingenuidade juvenil para a experiência e entendimento sobre um mundo violento, muito diferente de seus ideais. O ponto de partida é fuga para longe da segurança do castelo, rumo ao próprio sonho. Aos poucos, o sonho se vai se diluindo como espuma. A jovem sente na pele a brutalidade natural que habita no coração humano. Tal hostilidade é a mesma que fizera da muralha e da espada entes necessários para a proteção de seu reino. E foi no percorrer das ruínas deixadas pelas antigas civilizações do continente que percebi tal amadurecimento.
A jornada de Lia é uma transição da ingenuidade juvenil para a experiência e entendimento sobre um mundo violento, muito diferente de seus ideais. O ponto de partida é fuga para longe da segurança do castelo, rumo ao próprio sonho. Aos poucos, o sonho se vai se diluindo como espuma. A jovem sente na pele a brutalidade natural que habita no coração humano. Tal hostilidade é a mesma que fizera da muralha e da espada entes necessários para a proteção de seu reino. E foi no percorrer das ruínas deixadas pelas antigas civilizações do continente que percebi tal amadurecimento.
Os restos de torres e construções de pedra que pontuavam a paisagem me sugeriam duas verdades: a primeira, sobre a inexorabilidade e apatia do tempo, de como qualquer esforço humano, mesmo que direcionado à consciência eterna dos deuses, quando materializado, irá sempre cair, se destroçar, e retornará à estaca zero; e, a segunda, sobre o triunfo familiar da vontade. Não apenas pelas ruínas serem testemunho concreto e resistente da passagem de uma civilização grandiosa, mas pela capacidade que a própria miragem colossal possui de despertar o nosso espírito. Eu, ao adentrar os bosques e desertos dos três grandes reinos junto de Lia, quando avistei as dorsais de muralhas corroídas pela umidade, fossos escondidos sob vegetação densa, ou estruturas tombadas pelo vento abrasivo, pude ouvir um ruído soando nos porões da eternidade, e aproximando-se, até ecoar nos ouvidos do meu espírito. A descrição caprichada de Pearson me permite qualquer aparente exagero. Acredite.
Observando os anseios interiores da princesa, posso afirmar que não se trata de mais uma jornada em busca da liberdade. A envergadura épica que dá profundidade a história não se limita a problematizações acerca de sonhos sufocados por obrigações sociais da nobreza - e, pessoalmente, considerei diferencial dentre muitas histórias sobre autodescobrimento. E, quanto ao coração de Lia, neste tomo de “Crônicas de amor e ódio”, a narrativa, como um todo, estende-se além da procura pela verdadeira face do amor (que, devido ao triângulo amoroso, imaginei reduzir-se a esse tema). “The Kiss of Deception” é uma história que partilha a necessidade de compreender-se as crenças e tradições que sustentam uma sociedade em perigo, e, o mais importante, como a cultura e os ouvidos atentos ao sagrado e ancestral refletem no sentido que damos ao mundo, e, por consequência, como o enxergaremos em nós mesmos.
Bem. Acho que é isso que precisava dizer. Agora preciso atravessar minhas próprias ruínas entre os travesseiros e encontrar meu sono. Espero que aprecie tanto quanto eu apreciei esta primeira parte da jornada de Lia. Só tenha cuidado. Mantenha os olhos abertos. Reúna todas as forças necessárias. E não pare. Mesmo se ver os próprios rastros que for deixando para trás sendo engolidos pelo deserto.
Observando os anseios interiores da princesa, posso afirmar que não se trata de mais uma jornada em busca da liberdade. A envergadura épica que dá profundidade a história não se limita a problematizações acerca de sonhos sufocados por obrigações sociais da nobreza - e, pessoalmente, considerei diferencial dentre muitas histórias sobre autodescobrimento. E, quanto ao coração de Lia, neste tomo de “Crônicas de amor e ódio”, a narrativa, como um todo, estende-se além da procura pela verdadeira face do amor (que, devido ao triângulo amoroso, imaginei reduzir-se a esse tema). “The Kiss of Deception” é uma história que partilha a necessidade de compreender-se as crenças e tradições que sustentam uma sociedade em perigo, e, o mais importante, como a cultura e os ouvidos atentos ao sagrado e ancestral refletem no sentido que damos ao mundo, e, por consequência, como o enxergaremos em nós mesmos.
Bem. Acho que é isso que precisava dizer. Agora preciso atravessar minhas próprias ruínas entre os travesseiros e encontrar meu sono. Espero que aprecie tanto quanto eu apreciei esta primeira parte da jornada de Lia. Só tenha cuidado. Mantenha os olhos abertos. Reúna todas as forças necessárias. E não pare. Mesmo se ver os próprios rastros que for deixando para trás sendo engolidos pelo deserto.
Quando um livro está muito "hypado" entre o meio literário sempre fico com o pé atrás sobre a qualidade de escrita e enredo dele. The Kiss of Deception é um caso assim, apesar de ser da Darkside, que sempre capricha em suas edições e nos faz querer comprar só pela capa. Achei muito tocante o modo como você trouxe o enredo, o livro parece ser bem mais profundo e diverso do que imaginava, e não apenas mais um dentre todos do seu gênero. Agora estou ansiosíssima para ler!
ResponderExcluirBeijos, Le.
Refração Cultural
Olá, Letícia. Somos dois. Também sou muito desconfiado em relação a livros muito propagandeados, mas esta obra me surpreendeu. A autora leva muito a sério as condições e valores humanos que estão para além de mero problema liberdade ou "achismo" acerca do que é moral ou não. E tudo encantado por uma mágica bem particular. Esperamos pela próxima edição!
ExcluirBjs!
J.