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outubro 11, 2016

Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll | Por: Jonatas T. B.




Parte um – Por uma chave sem porta

“De que tamanho você quer ser?” perguntou. “Oh, não faço questão de um tamanho certo”, Alice se apressou a responder; “só que ninguém gosta de ficar mudando toda hora, sabe.”
“Eu não sei”, disse a Lagarta.

Esta não foi a primeira vez que acompanhei a pequena Alice através da toca do coelho. Nem foi a última que mergulhei com ela no abismo repleto de móveis e peças de chá. Há muito tempo meu pai alugou uma fita VHS, a versão clássica da Disney. Depois que o terminei, me foi deixada certa reminiscência que me fez experimentar a viagem pela segunda vez. Por volta dos quinze anos uma amiga pegou (ou roubou, se não me engano) o livro da biblioteca para me emprestar. A tradução era ruim, e eu, péssimo leitor. Tropecei nas palavras e deixei montes de buracos pelo caminho da leitura. Entretanto, uma coisa que nunca mais esqueço, foi aquele sorriso de gato em meia lua não saía de minha cabeça. Não conseguiria jamais abandonar a curiosidade que a história me despertava.

Foram necessários sessenta e sete anos mais quatro até a chegada da semana passada até que eu pudesse encontrar Alice pela última vez. Era a edição de bolso ilustrada da editora Zahar que li num piscar de olhos. Na verdade foi o piscar mais longo da minha vida. Durou dois dias. Não encontrei nada diferente da primeira ou da segunda viagem que fiz, mas também não encontrei nada igual. Pensei que, no início, os animais dançariam feito lagostas ao redor da pedra para se secar do mar de lágrimas, e estava correto. Eles recitaram um poema e deram uns passos ensaiados, mas não se molhavam como lembrava.

Talvez você não tenha vivido muito tempo no mar…” (“Nunca”, disse Alice),
“…e talvez nunca tenha sido apresentada a uma lagosta…” (Alice ia começando a dizer “Provei uma vez…”, mas engoliu a língua mais que depressa e disse: “Não, nunca”) “…então não pode imaginar que coisa deliciosa é uma Quadrilha da Lagosta!”
“Realmente, não”, disse Alice. “Que espécie de dança é essa?”

Dali continuei.

Entrei no bosque e cresci e estiquei e encolhi e fiquei preso em uma casa com chaminé.

É o que acontece se não voltamos pelo caminho que chegamos e não temos a chave da porta de entrada. Você vira do avesso e o País começa a morar em você. O lado de dentro da sua cabeça fica maior do que deveria. Então, num piscar de olhos, você não está mais caminhando ao passo de Alice, mas depara a si mesmo infundindo chá como louco, levantando a mesa com a Lebre de Março e correndo ao redor da casa atrás do tempo perdido. Quando avista Alice ao longe, oferece uma toalha ao invés da torrada e um lugar à mesa para ouvir uma história sobre nada.

“Alice suspirou, entediada. “Acho que vocês poderiam fazer alguma coisa melhor com o tempo”, disse, “do que gastá-lo com adivinhações que não têm resposta.”
“Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu”, disse o Chapeleiro, “falaria dele com mais respeito.”

Ao fim de agora, depois do último passo, com Alice perdida em nossa mente, vamos ter de continuar o caminho além do baralho. O próximo lance é o degrau sobre a lareira. Há um jogo de xadrez em cima da mesa do lado oposto no espelho. Neva lá fora, mas está quente no interior do reflexo invertido. Quando chegarmos ao nosso próximo encontro, você verá. Alice de Carroll nos mostrará que as flores discutem tanto quanto um leão com um unicórnio, e nos explicará quantas casas com jardins infinitos ao redor de uma colina cabem em um tabuleiro.

http://www.zahar.com.br/livro/alice-edicao-comentada-e-ilustrada-0

Parte dois – Do jogo sem peças

“É uma partida de xadrez fabulosa que está sendo jogada… no mundo todo… se é que isso é o mundo. Oh, como é divertido! Como eu gostaria de ser um deles. Não me importaria de ser um Peão, contanto que pudesse participar… se bem que, é claro, preferiria ser uma Rainha.”

Eu era pequeno, mas tinha altura o suficiente para subir na cadeira e apanhar o espelho pendurado na parede do quarto. Depois, ficava por horas tateando o reflexo. Tentava desvendar com os dedos o que havia além da superfície oval, imaginando que, se tivesse sorte, poderia tocar nem que fosse por um segundo as coisas maravilhosas que existiam por lá. Mexia a cabeça para esquivar do meu inverso, investigando os objetos imersos naquele imenso lago sem profundidade. Parecia mais um vizinho fofoqueiro espiando por cima do muro. Se pudesse comparar, diria que era curiosidade semelhante a de Alice quando chegou do outro lado do seu próprio espelho.

Segundo Carroll, ela era pouco mais velha do que eu e teve de subir em uma lareira. Nevava lá fora. A gata Dinah dava banho em seus filhotes e a mocinha prosseguiu do jeito que se faz quando se passa pela janela de um lago. A princípio o outro lado era exatamente igual ao nosso, só que ao contrário, com rainhas e reis e peças sobre a mesa ao invés de gatos no assoalho. Quando decidiu ir adiante, Alice não tinha mais para onde encolher ou crescer e o mundo todo era um grande tabuleiro de xadrez com sessenta e quatro casas. Nada mais. Percebi que desta vez tudo era absolutamente mais claro e preciso do que no País das Maravilhas. Ouso dizer que consegui diferenciar mosquitos, árvores e ovos com pernas e braços em cima do muro, coisas que me deixariam confuso se estivessem na terra da Rainha de Copas.

“Receio que pegue um resfriado, deitado assim no capim úmido”, disse Alice, que era uma menininha muito atenciosa.
“Agora está sonhando”, observou Tweedledee. “Com que acha que ele sonha?”
Alice disse: “Isso ninguém pode saber.”
“Ora, com você!” Tweedledee exclamou, batendo palmas, triunfante. “E se parasse de sonhar com você, onde acha que você estaria?”
“Onde estou agora, é claro,” respondeu Alice.
“Não, não!” Tweedledee retrucou, desdenhoso.
“Não estaria em lugar algum. Ora, você é só uma espécie de coisa no sonho dele!”
“Se o Rei acordasse”, acrescentou Tweedledum, “você sumiria… puf!… exatamente como uma vela!”


No outro lado do espelho eu não me perdi. Se fosse cego ou tivesse raízes no lugar das pernas jamais me perderia, pois lá não havia caminho diferente do movimento de peças. Neste caso, Alice era um peão. Movia-se como um peão, apesar de continuar se portando como Alice. Segundo a promessa, se chegasse ao final do jogo, não seria mais um peão, seria a nova rainha. Acredito que Carroll tenha ficado um pouco triste com isso. As rainhas, em teoria, são pessoas educadas para se distanciarem de pessoas comuns nos dias comuns, e ainda mais quando têm algo importante para fazer. Creio que por isso Carroll nunca mais nos escrevera nada de singular sobre as aventuras de Alice.

“O Leão olhou para Alice enfadado. “Você é animal… vegetal… ou mineral?” disse, bocejando entre uma palavra e outra.
“É um monstro fabuloso!” o Unicórnio gritou, antes que Alice pudesse responder.
“Então sirva o bolo de passas, Monstro”, disse o Leão, deitando-se e pousando o queixo sobre as patas.”


Ou talvez eu esteja errado. Pensando melhor, talvez Carroll não tenha escrito mais sobre Alice porque sabia que nunca havia voltado de verdade daquela tarde em que passeava de barco. Por isso ele só disse o que tinha de dizer. Talvez a história esteja ainda sendo contada em algum lugar no Tâmisa. Pode ser que isso explique o motivo de Alice insistir em ser contada e repetida tantas vezes e de tantas formas, e porque o Chapeleiro Louco, a Lebre de Março e o Coelho Branco continuam tão animados como em uma eterna hora do chá, - como na primeira vez que Carroll os imaginou.

Acho que é isso. Algumas pessoas nunca deixam o mundo engolir sua infância e continuam a se recordar de como era brincar de atravessar o espelho, como você bem deve ter se lembrado. Depois de acontecerem tantas coisas desde nosso nascimento, ou mesmo desde antes do nascimento do mundo, eu simplesmente não consigo acreditar que tenha sido por outro motivo.

Jonatas T. B.

5 comentários:

  1. Oi Jonatas!
    Que resenha/conto maravilhosa! Amei sua narrativa e sua história com esse livro.
    Eu também adoro Alice, comecei pelo desenho da Disney e depois li o livro duas vezes.

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    Respostas
    1. Olá, Sora!
      Fico imensamente feliz por ter gostado de ouvir um pouco de nossa experiência. Que seja Alice sempre um ponto de encontro para todos nós!

      Beijo!

      Jonatas T.

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  2. Jonatas, amei sua resenha!!!! Beijos!!

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    Respostas
    1. É sempre bem vinda e agradável sua visita, Anny!
      Beijo!

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  3. Baita texto meu amigo. Um dos. Eus livtos favoritos de fantasias é este. Tão rico. TAo cheio de imagens e seu texto complementa tudo isso belamente. Parabéns

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