Eles se conhecem desde sempre. Não conseguem se lembrar a primeira vez em que se viram, nem como a amizade começou, mas sabem que sempre estiveram presentes na vida um do outro, mesmo quando houve distanciamentos necessários ou impostos.
Durante a infância dividiram todos os doces ganhos em datas especiais como Páscoa, Dia das Crianças, Natal e Aniversários, as brincadeiras com os primos durante os encontros dominicais das famílias e as estrelas que apreciavam juntos, deitados na grama que separava suas casas, nomeando de forma engraçada cada constelação que imaginavam ter descoberto.
Na adolescência, continuavam a olhar as estrelas, mas dessa vez os nomes escolhidos para as constelações passaram de engraçados a ridículos. Mas já não andavam juntos na escola por tanto tempo, apesar de defenderem um ao outro sempre que alguém fazia algum comentário torpe sobre um deles. E à noite sempre incluíam seus nomes nas orações, sempre estavam na lista de convidados nos aniversários e no Natal de suas famílias.
Quando a escola acabou e tiveram que encarar a vida adulta, ele se mudou e foi pra faculdade de Tecnologia da Informação, enquanto ela teve que abrir mão do sonho de se tornar cineasta, para trabalhar de balconista em uma videolocadora, para poder passar mais tempo com a mãe doente. A convivência entre eles se resumiu ao contato virtual através de redes sociais. Entre um like e outro, ela observava a quantidade de amigos com quem ele saía para curtir a noite e a variedade de mulheres que se empenhavam em lhe agradar, enquanto ele voltava para casa toda noite, independente das conquistas feitas, e contemplava do telhado do prédio onde morava, as estrelas lá em cima, pensando em como estaria sua companheira de descobertas astronômicas.
O tempo fez o favor de reaproximá-los. A perda do pai dele o trouxe de volta, e sem verbalização, ela disse a ele o quanto sentia por sua dor e por sua ausência, através de um abraço que reforçou o laço entre eles, esse laço que parecia ter se rompido, mas que estava na verdade adormecido.
Voltaram a andar juntos, agora já mais maduros, mas ainda implicando um com o outro sobre coisas do passado, que para eles era tão precioso. Compartilharam além dos conflitos sobre carreira, estudos e futuro, os amores e desamores que passaram em seus caminhos, ela ouvindo as queixas dele sobre cada ex-conquista e ele cedendo o ombro para o choro dela a cada vez que seu coração foi partido. E em todas as vezes, saíam juntos para dançar e beber até amanhecer, finalizando cada noitada com um cachorro quente com Coca-Cola, sentados na calçada de uma loja qualquer ou em um ponto de ônibus, abrigando-se nos braços um do outro para se protegerem do frio da madrugada.
A cada nova saída, sentiam um certo estranhamento tomar conta de si, mas disfarçando bem para não assustar um ao outro. Esse estranhamento tinha origem na percepção de detalhes que antes passavam despercebidos e que agora saltavam aos olhos. Como o jeito delicado com que ela mexia em uma mecha de cabelo quando achava que ninguém estava olhando. Ou a maneira como os músculos do pescoço dele se moviam, hipnotizando-a, já que sempre achou esternocleidomastóideo seu músculo favorito do corpo masculino. Ou ainda, o perfume da pele dela abaixo do ponto onde borrifou a fragrância, que sempre o deixava em estado de alerta, desejando encostar o nariz ali para sentir mais. E ainda a maneira como os braços dele sempre pareciam perfeitos ao abraçá-la, todas as partes possíveis do corpo dele em contato com as suas, num abraço de corpo inteiro. Todas essas coisas os atormentavam, mas quando achavam que seria o momento de se abrir, a sensação de que estavam errados os impedia e agiam o mais normalmente que podiam.
Em mais uma noite de dança em um dos bares favoritos de ambos, a leve embriaguez os deixou mais corajosos. Durante uma dança, ela ousou se aproximar mais e imediatamente sentiu a reação do corpo dele que estremeceu ao seu toque. Ele respirando profundamente, simplesmente deu um passo para trás encostando o corpo na parede atrás de si, puxando-a junto a seu corpo, o que ela aceitou naturalmente envolvendo seus braços ao seu pescoço. Olharam-se por um momento interminável, ambos ouvindo a música de fundo e deixando que ela falasse por eles.
“Os nossos lábios todas as palavras nada dizem
Aos nossos olhos tudo o que já vimos foi vertigem
É tudo tão real
Mas nada normal”
Tomado de uma coragem antes nunca sentida, ele ousa indagar:
- Por que a gente nunca ficou junto?
- Porque aí, acabaríamos sem nos falar... E eu não quero parar de falar com você – ela responde como se fosse óbvio, enquanto acaricia os cabelos dele com seus dedos, apreciando a maciez dos fios úmidos.
Ele, ainda ouvindo a música, pensa em como tal letra, que ele ouviu milhões de vezes, parece fazer tanto sentido nesse momento:
“Te lembro e já me sinto ao seu lado, no seu mundo
Me identifico com você de um jeito tão profundo
E é tudo tão real
Mas nada normal”
Nada Normal – Victor e Leo, Borboletas, 2008.
- É só você não sumir da minha vida como fez com todos os caras com quem se envolveu – ele observa a surpresa naquele olhar profundo que parece enxergar a sua alma, passar para algo mais intenso, um misto de medo com curiosidade e algo que ele tem enxergado nos próprios olhos quando se observa no espelho ao pensar nela: amor.
“Os nossos lábios todas as palavras nada dizem
Aos nossos olhos tudo o que já vimos foi vertigem
É tudo tão real
Mas nada normal”
Tomado de uma coragem antes nunca sentida, ele ousa indagar:
- Por que a gente nunca ficou junto?
- Porque aí, acabaríamos sem nos falar... E eu não quero parar de falar com você – ela responde como se fosse óbvio, enquanto acaricia os cabelos dele com seus dedos, apreciando a maciez dos fios úmidos.
Ele, ainda ouvindo a música, pensa em como tal letra, que ele ouviu milhões de vezes, parece fazer tanto sentido nesse momento:
“Te lembro e já me sinto ao seu lado, no seu mundo
Me identifico com você de um jeito tão profundo
E é tudo tão real
Mas nada normal”
Nada Normal – Victor e Leo, Borboletas, 2008.
- É só você não sumir da minha vida como fez com todos os caras com quem se envolveu – ele observa a surpresa naquele olhar profundo que parece enxergar a sua alma, passar para algo mais intenso, um misto de medo com curiosidade e algo que ele tem enxergado nos próprios olhos quando se observa no espelho ao pensar nela: amor.
O beijo acontece antes dos lábios se encontrarem, através do olhar desarmado e cheio de esperança de ambos, pois é o tipo de beijo que muda tudo ou mantém tudo inalterado, para sempre. Mas, finalmente estão dispostos a descobrir.
Gih Medeiros
Amei <3 que fofo, você escreve bem
ResponderExcluirMuito obrigada querida!!!
Excluir♥
Adorei o texto. Deixou um gostinho de quero mais.
ResponderExcluirAguardo um livro rsrs \o/
Me enche de orgulho Lindeza Parabéns!
ResponderExcluir♥♥♥♥♥♥♥♥
ExcluirOii Meninas!
ResponderExcluirGih, você escreve tão bem, estou encantada! Adorei a crônica, parabéns!
Beijos,
Ana | Blog Entre Páginas
www.entrepaginas.com.br
PARTICIPE DO SORTEIO DE 1 ANO DO BLOG!
Obrigada Ana, está convidada a ler as que já foram publicadas por aqui.
ExcluirBeijooooo
❤❤❤❤❤