Acho que pela primeira vez, desde que a Rebeca me convidou para ser resenhista do Blog Papel Papel, não sei como começar uma resenha. Falar de Nicholas Sparks para mim, é fácil e ao mesmo tempo muito complexo. Sei que ele enfrenta um grande preconceito na blogosfera e no meio literário em geral (na maioria dos casos, de pessoas que nem leram suas obras) e provavelmente muita gente vai torcer o nariz ao ler o que tenho a dizer sobre seu mais recente lançamento.
Dois a Dois é o vigésimo livro da carreira do autor, publicado no Brasil pela Editora Arqueiro, e mostra toda a evolução de sua escrita como um grande contador de histórias. E nessa história particularmente, eu me senti totalmente transportada para dentro do livro, como há algum tempo não me sentia.
Russ é um publicitário de sucesso, tem uma bela esposa e uma filha de cinco anos, London, que ele ama mais que tudo, ainda que não consiga passar muito tempo com elas devido à sua extensa carga de trabalho já que Vivian, sua esposa, decidiu que não voltaria a trabalhar enquanto a filha não estivesse na escola. Para muitas pessoas que observavam de fora, a vida de Russ era ótima, quase perfeita. Mas, por mais que ele próprio não quisesse admitir, esse mundo colorido em que vivia não passava de ilusão.

Sentindo-se pressionado a sempre agradar a todos à sua volta, Russ se pega descontente com o rumo que sua jornada profissional levou e toma uma decisão que vai mudar sua vida completamente: ele larga o emprego e abre a própria agência de publicidade. Só que as coisas não fluem tão facilmente quanto ele gostaria e, com o passar do tempo e sem nenhum cliente à vista, a reserva de dinheiro que possuía acaba diminuindo gradualmente, e Vivian decide que já que o marido não pode sustentar a ela e à filha, ela é quem tem que voltar a trabalhar.
“Casamento exige compromisso e negociação, comunicação e cooperação, principalmente porque a vida costuma lançar umas bolas traiçoeiras, muitas vezes quando menos esperamos. No mundo ideal, a bola traiçoeira passa pelo casal sem causar muitos danos; em outros momentos, encarar esses lançamentos a dois torna o casal mais comprometido um com o outro.
Às vezes, no entanto, as bolas traiçoeiras acabam nos acertando bem no meio do peito, perto do coração e deixam feridas que nunca parecem sarar” – pág. 27.
Manipulando a situação para conseguir o que quer (uma vida de luxo e conforto), Vivian faz com que Russ seja o responsável por London agora, visto que em seu trabalho como relações públicas, é obrigada a fazer viagens toda semana. Isso faz com que Russ entre em uma rotina exaustiva de cuidados com a agenda lotada da filha e a tentativa de se estabelecer no mercado com o próprio negócio. Inicialmente perdido, ele encontra certa dificuldade em entender as atitudes da esposa, alguns questionamentos da filha e a cobrança dos próprios pais e da irmã com relação ao seu papel como provedor da família.
Mas com o passar do tempo, Russ se transforma num pai amoroso e dedicado que aproveita cada segundo com a filha, sempre se empenhando em lhe proporcionar experiências divertidas e únicas. Conforme seu relacionamento com London evolui para um companheirismo sólido e sua agência de publicidade começa a engrenar, ele vê seu casamento se desfazer: Vivian decide deixá-lo.
“Encarei minha filha e de repente entendi como nossa relação havia mudado. Como eu me sentia mais à vontade no papel de figura presente, London tinha ficado mais à vontade comigo, e de repente pensar em passar horas e horas longe dela quando a escola começasse fez meu coração doer de um jeito que eu não esperava. Meu amor por London jamais estivera em questão. O que eu agora compreendia era que também gostava dela, não só como minha filha, mas como a menina que só pouco tempo antes passara a conhecer” – pág. 190.
E agora, como Russ vai fazer para resolver sua vida?
Narrando os acontecimentos do pior ano de sua vida, Russ nos leva junto consigo nessa jornada cheia de altos e baixos, risos e lágrimas. Não me recordo de ter lido um livro cuja narração fosse toda feita por um personagem masculino que não fosse adolescente e em primeira pessoa, o que já é digno de nota. Mas, Nicholas Sparks conseguiu se superar ao criar um grupo de personagens tão únicos e reais.
A princípio, pode-se achar que Russ é uma pessoa superficial, mas ele não é. Apenas tem um traço de personalidade que o torna vítima de si mesmo, pois o deixa vulnerável aos outros. A transformação pela qual ele passa durante o livro é muito densa, ao mesmo tempo em que se dá de forma suave. Seu sofrimento, suas angústias, são muito viscerais e é impossível não se solidarizar com ele diante dos golpes que sofre.

Sua filha London é adorável e sua inteligência me fez rir em muitos momentos durante a leitura. Pai de um grupo que sempre o inspira, Nicholas não deve ter encontrado dificuldades nenhuma em desenvolver a personalidade cheia de vida e amor da doce London.
Os pais de Russ são duas figuras peculiares e ao mesmo tempo muito familiares, como quaisquer pais que não tiveram tempo algum para mimar seus filhos quando crianças – o que continuava a ser motivo de queixas dos filhos quando adultos.
Marge, a irmã mais velha de Russ, é talvez a personagem mais incrível dessa história. Dona de uma inteligência sarcástica, ela consegue ao mesmo tempo irritar e incentivar o irmão e a todos a seu redor, além de ter uma energia de vida contagiante. A relação dela com Liz foi explorada com uma sutileza e delicadeza que nos faz querer ser amiga delas.
A artista plástica Emily, uma antiga amiga e ex-namorada de Russ, que reaparece em sua vida no momento em que ele se sente mais perdido e necessitado de alguém que compreenda o que ele está passando e ao mesmo tempo o deixe confortável consigo mesmo, é daquele tipo raro de pessoa que parece já nascer com um conhecimento profundo da vida e consegue reagir diante dos males da vida, ainda que por dentro esteja se sentindo a pior das criaturas.
Todas essas pessoas influenciam Russ durante o processo de recuperação da perda da vida que ele conhecia. Mas, ao invés de se tornar uma vítima das circunstâncias, ele é tomado de uma coragem que nem sabe existir dentro dele e consegue não apenas sobreviver aos piores momentos que alguém pode passar, como também reescreve sua vida profissional e amorosa.
“Marge, Emily e London me apoiaram quando eu mais precisei, de maneira que hoje parecem quase predestinadas. (...) Acho que eu tive sorte, pois ninguém deveria ser obrigado a atravessar a vida sozinho” – pág. 501.
Eu não tenho dúvidas de que esse é o melhor livro de Nicholas Sparks, mesmo sem ter lido todos os outros. Também não tenho dúvidas de que vou ficar com esses personagens na minha cabeça por muito tempo ainda, pois como eu disse no início do texto, me senti transportada para dentro da história e vivi com eles todos os momentos de alegria e de tristeza, de destruição e reconstrução.
Também disse no início, que para mim era fácil e complexo falar sobre a escrita de Nicholas Sparks. Isso porque para mim é fácil gostar de sua escrita e dos seus enredos, que falam muito sobre família, amores, trabalho e coisas reais, o que me faz ter empatia com suas histórias. Mas, também é complexo porque não consigo encontrar as palavras certas para definir a sua importância enquanto contador de histórias. Algumas pessoas tendem a achar que todas as suas histórias são parecidas, que sempre tem uma tragédia, que sempre tem um casal que passa por dificuldades mas acaba junto e etc. Mas, o que é a vida real se não uma montanha-russa de dores e amores, perdas e reencontros, rotina e extravagâncias?
Particularmente, eu aprecio muito o trabalho de autores que conseguem transformar vidas cotidianas em obras literárias – assim como admiro quem consegue criar um mundo novo, do nada e cheio de criaturas incríveis em livros de gêneros diversos. O gênero literário não é a questão. Mas, gosto de saber que mesmo na ficção, existem pessoas que passam pelos mesmos problemas que eu. Isso me dá uma sensação de pertencimento, que não tem preço. Mas, eu vou deixar vocês decidirem por si mesmos o que acham desse livro. Quem gosta do Nicholas, vai com certeza se admirar com essa leitura diferente e quem ainda não leu e resolver começar por Dois a Dois, acredite, não vai se decepcionar. Só não garanto que você não vai se apaixonar por Nicholas Sparks também. Se isso acontecer, eu com certeza vou adorar discutir mais sobre as obras dele com você.<3
Dois a Dois – Nicholas Sparks
Com uma carreira bem-sucedida, uma linda esposa e uma adorável filha de 6 anos, Russell Green tem uma vida de dar inveja. Ele está tão certo de que essa paz reinará para sempre que não percebe quando a situação começa a sair dos trilhos.
Em questão de meses, Russ perde o emprego e a confiança da esposa, que se afasta dele e se vê obrigada a voltar a trabalhar. Precisando lutar para se adaptar a uma nova realidade, ele se desdobra para cuidar da filhinha, London, e começa a reinventar a vida profissional e afetiva – e a se abrir para antigas e novas emoções.
Lançando-se nesse universo desconhecido, Russ embarca com London numa jornada ao mesmo tempo assustadora e gratificante, que testará suas habilidades e seu equilíbrio emocional além do que ele poderia ter imaginado.
Em Dois a dois, Nicholas Sparks conta a história de um homem que precisa se redescobrir e buscar qualidades que nem desconfiava possuir para lutar pelo que é mais importante na vida: aqueles que amamos.