"Carta a uma velha amiga que me disse ter conhecido um grande poeta, que é meu amigo; e ter sofrido uma decepção:
'Querida -
Não achou você poético o poeta; e até se queixa de que, no tempo em que esteve em sua mesa, não lhe ouviu uma palavra sobre poesia, mas, unicamente, ao sabor da conversa, comentários sobre sapatos de homem e desastres de automóvel, quando você gostaria de conversar sobre William Shakespeare.
É, na verdade, um pouco mortificante. Nunca falam os poetas de poesia?, pergunta-me você. Bem, eles falam. Cada homem tem costume de falar de seu ofício, e o poeta é um homem como os outros. (...) Quando um homem fala de sapatos, de trânsito ou futebol, não está disfarçando: o último jogo do Flamengo, a corrida dos ônibus depois do túnel e a cor dos sapatos, tudo se infiltra na alma do poeta. Tudo; e com certeza também você, que ele pode ter incorporado silenciosamente no seu mundo. E quando amanhã escrever 'uma tarde castanha', se lembrará de seus cabelos e de sua voz serena.
Não o desame pois, por não ser poético; isso não é seu ofício: ele é poeta. Adeus.'"
Rubem Braga
Há quem colecione histórias, e há quem guarde um caderno de poesias. Rubem Braga, um de nossos cronistas mais conhecidos, dedicou parte de sua carreira à divulgação da poesia brasileira, especialmente nos anos em que atuou no jornalismo cultural da Revista Manchete (de 1953 a 1956) e da Revista Nacional (de 1979 a 1990).
A poesia é necessária é uma publicação da Global Editora (2016) que reúne textos da coluna de mesmo nome mantida por Braga em seus anos de Revista Manchete. No tempo em que durou a coluna, publicou poetas de todas as gerações e épocas, incluindo nomes como Mário de Andrade, Adélia Prado, Lya Luft, Murilo Mendes, Gregório de Matos, Gonçalves Dias, Castro Alves, Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade, Cândido Portinari e dezenas de outros. Nesta publicação da Global, organizada pelo crítico André Seffrin, é possível também encontrar o "olhar de cronista" de Braga em muitos destes poemas, especialmente através da fala dos que versam histórias de amor, pequenas memórias e demais peculiaridades da vida cotidiana. Dentre os poemas selecionados, destacamos:
SONETO
Toda pena de amor, por mais que doa,
No próprio amor encontra recompensa.
As lágrimas que causa a indiferença
Seca-as depressa uma palavra boa.
A mão que fere, o ferro que agrilhoa,
Obstáculos não são que Amor não vença,
Amor transforma em luz a treva densa;
Por um sorriso Amor tudo perdoa.
Ai de quem muito amar não sendo amado,
E depois de sofrer tanta amargura,
Pela mão que o feriu não for curado...
Noutra parte há de em vão buscar ventura:
Fica-lhe o coração despedaçado,
Que o mal de Amor só nesse Amor tem cura.
Ana Amélia Carneiro de Mendonça (1896-1971)
O MENINO E O POVOADO
(fragmento)
As mangueiras ramalhavam
E agitavam os corações acesos
Que as enfeitavam. Velhas
Mangueiras de minha infâncias...
Eram as babás dos meninos
Pobres como eu. Floriam e
Ninguém lhes atirava pedras.
Das flores nasciam os coraçõeszinhos
De verde limpo, sem o pó das
Velhas folhas espalhado pelo
Vento. Estas, tão abundantes -
Serviam de escudo. Os corações
Em sua plenitude luziam ao longe.
Às vezes choravam lágrimas.
Resinosas.
Candido Portinari (1903-1962)
E para falar de Rubem Braga, nada como o testemunho de um contemporâneo do cronista, o poeta e crítico Affonso Romano de Sant'Anna:
Aliás, você já conhece o canal da Global Editora no Youtube? Lá você encontra depoimentos, leituras e entrevistas com os grandes autores de nossa literatura! Se inscreva também! :)

Sobre a obra: Nesta publicação, foram reunidos poemas dos poetas brasileiros que Rubem Braga divulgou na sua seção “A poesia é necessária”, durante o tempo em que trabalhou na revista Manchete (1953 a 1956) e Revista Nacional (1979 a 1990, ano de sua morte). Assim, como diria Mario Quintana, esta obra é um baú de espantos, repleto de curiosidades sobre poetas e poesia.
Outros livros do autor: Crônicas do Espírito Santo; Melhores Contos; Melhores Crônicas
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