navegar pelo menu
abril 21, 2016

O que se diz e o que se entende, de Cecília Meireles


"Se eu inventei palavras? Não. Isso nunca me preocupou. No inventar há uma certa dose de vaidade. 'Inventei. É meu.' O que me fascina é a palavra que descubro, uma palavra antiga, abandonada, e que já pertenceu a tanta gente que a viveu e a sofreu."
(Trecho de entrevista de Cecília Meireles a Pedro Block, em 1964)



Há na palavra um alicerce, e também o tropeço, assim determinado pelo erro do homem, que em seu próprio peso insiste, e maldiz, esta condição de pedra, sobre a qual poderia edificar uma casa, uma clareira, ou talvez um poema.

Ao distanciar-se da palavra, o homem emudece, assim como o texto, que desprende um punhado de ais, e tampouco chora, ou canta, sequer desperta, como eco em uma alegoria perdido.

Há no coração da palavra também um chamado, que insurge em um templo de homens, em sua maioria surdos, porém, às vésperas do entendimento e das pequenas felicidades, que para Cecília de atributo certas, pequenas felicidades, que muitos desacreditam, "só existem diante das minhas janelas". Ora, "é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim"¹! E de fato, é preciso estar atento ao que mundo inspira, e inflar o peito para em seguida encontrar vida, e colher o sopro destes versos e pedras.

Ao primeiro ano deste mil e novecentos, anuncia-se ao mundo a força de Cecília, que por um tanto de século viveria (e vive) como música, crônica e poema, e alvoradas, bondade e coretos, ainda a invocar "aquela ternura de épocas mais amenas, quando todos acreditávamos uns nos outros (...) e o futuro não era uma sombra indecisa, mas um sol radioso à espera de nossa passagem"².

Tendo na voz delicadeza única, em suas palavras o mundo tornar-se-ia também grande gesto, e uma quase gramática, de intermináveis sabores e arabescos, que de tão rebuscados eram como uma rima e sua profundidade, e, por sua leveza, tão breves como um oceano, Índico em sua maresia.

O que se diz e o que se entende é como um diário de pequenas gentilezas, que como a felicidade tornam-se imensas, indispensáveis, como a sabedoria de uma canção indiana, ou as que entoava Pedrina, a gentil pajem, e sábia mulher, que "interpretava o barulho dos trens; sabia a linguagem das flores; cantigas de roda; ladainhas e cânticos; histórias de lobisomem³", bem como as chaves do céu, de onde para São Pedro, junto aos astros e folguedos, um dia acenaria. 

É também bela em suas crônicas de transição e travessia; no ano em que nascera, Santos Dumont sobrevoara Paris, e nesta inventada proximidade encontramos também este voo em Cecília, que com suas mãos nos leva a grandes portos e altitudes em uma interminável viagem, onde crônicas e sonhos assombram cidades e calendários ("Devia ser bom viver como as grandes casas pensativas. Devia ser bom viver como a noite, que vai escondendo tudo e tudo transformando em sonhos"4), e hoje, ao tempo das perdas, tornam-se imortais.

Há na palavra então um alicerce, um firmamento-Cecília, onde calos e cores se acalmam, e bradam; à companhia deste alfabeto, intuímos histórias de outrora, e talvez a semelhança de nosso próprio destino: "A moça, porém, continuava, acima de todas as mudanças, a proteger a imagem do mundo com uma das mãos e a iluminá-lo com a outra."5

¹ Trechos de entrevista de de Cecília Meireles a Pedro Block, publicada na revista Manchete, em 1964.
² O que se diz e o que se entendep. 93
³ Idem, p. 52.
4 p. 121
5 p. 29


O que se diz e o que se entende, Cecília Meireles. Global Editora, 2ª edição, 2016.



"O meu assombro é pensarem que eu sempre quero dizer outra coisa. Não! eu sempre quero dizer o que digo." (p. 55)


"A arte de uma crônica é fazer do estranho algo familiar, falar dele delicadamente, como se fosse uma coisa normal, corrente em nosso cotidiano. Econômica, objetiva, empregando o termo exato, poeta o tempo inteiro, fulgurante nas observações, Cecília Meireles nos diverte, ensina, provoca, questiona, faz rir e pensar. Um livro que dá a sensação de ter sido escrito ontem; isso se chama clássico, a linguagem permanente, atual, que nos deixa fascinados." (Ignácio de Loyola Brandão, em seu texto de apresentação, p. 15.)




2 comentários:

  1. "Eu sempre quero dizer o que digo".
    Por mais pessoas como Cecília no mundo, virtual e físico, eu voto SIM!!!
    Beijo, beijo!!! <3

    Blog da Gih

    ResponderExcluir

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial