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junho 05, 2016

Marina Lima, e. e. cummings e o amor perfeito (e o poema perfeito também)


Guardar, guardar, guardar...
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la,
Em cofre não se guarda nada,
Em cofre, perde-se a coisa à vista,
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la.
Isto é: iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Estar acordado por ela,
Estar por ela,
Ou ser por ela...


Marina Lima, Deve ser assim


Dia nublado, pétala caule cidade, sombra no asfalto, o ensaio de um beijo, um atraso, um veraneio. Neste mundo assim entrecortado, a história é contada pelo olhar que com perspicácia e desejo escreve. E ainda que em neblina estejam a foto, o texto e a retina, no coração habitam imagens que nos distanciam de todo o esquecimento. Como um escudo ou um gole de oxigênio.

Então, se eu fosse participar de nossa conversa-sobre-o-amor aqui no Blog (que teve início com o texto da Regiane e o do Marcelo), eu diria que minha história pode ser encontrada no intervalo de uma canção, ou na pretensão de alguma poesia. Não, não sou assim erudita, e nem pretendo; mas se eu fosse falar sobre o amor aqui no Blog, diria que no peito permanece aquele beijo estrategicamente roubado, assim como o adeus à espera de um trem; sim, em um parágrafo construo romances, e na estrofe seguinte os eternizo. Talvez ao custo de um nunca-mais, e sob a certeza do que já prevíramos. Mas a verdade é que não consigo agir muito diferente disso, desculpe. (risos)

Já faz muito tempo, talvez um dia, ou uma década, assim despercebida, e nesse intervalo, não sei se vocês já se sentiram assim, toda vez que o mundo me faz lembrar alguma história, o que primeiro vem à mente é a música que tocou nesse momento, assim como o cheiro que ainda invade tudo isso.

Olha, não lembro a primeira estrofe de Marina Lima que ouvi, e tampouco o momento em que um primeiro poema de e.e. cummings chegou às minhas mãos; contraditória que sou, desfaço os versos do parágrafo ali de cima, e talvez seja por isso que eu tenha substituído meus próprios amores e personagens por uma letra de música e alguma poesia neste momento. (outro riso). Sim, por vezes eu talvez seja mesmo tão óbvia. Mas, se eu fosse falar de nomes e amares e conquistas, o meu texto não teria assim tanta graça, eu simplesmente não conseguiria.

Então, se eu fosse falar de amor aqui no Blog, eu escolheria falar de ensaios, fugas, pernas mãos e paisagens, e frases marcadas, e flertes que escapam, e tudo o mais que ficou por dizer, e que não esquecemos. Porque se há alguma certeza em tudo isso, em falar sobre o amor e suas narrativas, é que pra começar a amar é preciso "escolher a coisa guardada", assim como guardar o que por ela é escolhido...

Talvez seja uma canção muito antiga, mas eu gostaria muito que você conhecesse um poema na voz de Marina Lima:


Eu tive medo de fechar a porta
E perder algum detalhe
Eu tive medo de ir embora
E deixar você só
Andar por outros mundos, outros assuntos, prá outro lugar
E usar...

Só os meus olhos prá dizer
(E digo tudo)
Só com meus olhos, sem querer
Seu nome

O céu deve ser assim
O céu deve isso a mim

Se eu tivesse palavras eu faria um quadro
Se eu tivesse a tela pintaria um filme
"Dias fortes como aço" começam "e o vento levou"
E deixou...

Só os meus olhos prá dizer
(E digo tudo)
Só com meus olhos, sem querer
Seu nome...

O céu deve ser assim
O céu deve isso a mim...

(Alvin L. e Marina Lima - Poema Incidental: Antonio Cícero, 1993)


Passado o tempo da canção, continuo sem saber como falar de amor aqui no Blog, e compartilho então o amor-perfeito que mal cabe em uma poesia. Aos que não conhecem o autor, e. e. cummings (sim, nesta grafia em minúsculas e sigla), recomendo profundamente a leitura! <3



e. e. cummings


nalgum lugar em que eu nunca estive,alegremente além
de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre;só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas


(tradução:  Augusto de Campos)

Um comentário:

  1. Por vezes, quando as nossas próprias palavras nos somem ou quando elas nos sufocam a ponto de impedir que saiam de dentro da gente, a letra perfeita ou o poema perfeito, são perfeitamente capazes de exprimir aquilo que não se consegue explicar, mesmo que seja para nós mesmos.
    Escreva mais guria, escreva mais <3
    Bjos

    www.bloggihmedeiros.blogspot.com.br

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