navegar pelo menu
junho 08, 2016

Uma Carta de amor sobre trovões ventanias e promessas, por Diego França


Vinicius de Moraes

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Rio de Janeiro, 1935


24 de setembro de 2005



Uma Carta de amor sobre trovões ventanias e promessas



Mais uma vez cai na tentação e não consegui não ligar para você. Eu acabei de ligar, Pedro, e eu estou me culpando por isso. Como posso ser tão bobo a ponto de fazer isso nesse dia de chuva pensando que, dessa forma, ele traria um pouco da claridade do sol para dentro de mim? Estou realmente satisfeito por ter escutado aquela gravação me dizendo que o telefone se encontra desligado.

Sei que você tem medo de raios e trovões, e de verdade esse foi o real motivo que me fez te ligar hoje. Sabe aquela vontade de te proteger? Era isso que eu gostaria de fazer agora. Liguei porque queria te distrair da chuva e de todo esse barulho que treme o seu mundo, como sempre fiz. E eu juro que por vezes olhei para a porta aqui de casa, imaginando que você entraria por ela correndo, dizendo que não conseguiu ficar em casa sozinho e que precisa dos meus carinhos naquele dia chuvoso. Sinto tanto a falta disso e me decepcionei quando as horas e os segundos foram passando e você não veio. Acho que agora é o meu mundo que balança porque você já tem quem te proteja e estou aqui sozinho, esquecendo de me proteger para não deixar que mal algum te aconteça. Me sinto um tolo por isso.

Mesmo assim eu gostaria de saber, de verdade, Pedro: essa garota cuida bem de você? Ela apoia você nos seus sonhos? Ela aponta uma decisão estúpida que pode te fazer mal futuramente como eu fazia? E na hora do café, ela coloca o açúcar com cuidado para que não haja nenhuma formiguinha que te impeça de bebê-lo?

Eu gostaria de não desejar tudo isso, mas eu só quero que ela esteja cuidando tão bem de você como eu fazia. Você acha, Pedro? Gostaria de saber essas respostas. Não sei porque essa necessidade, mas eu gostaria de saber se você acha que eu cuidava tão bem de você como eu penso ter cuidado. Você acha que cuidei demais a ponto de você rejeitar os meus cuidados um dia?

Eu sei que você certamente me diria que te fiz a pessoa mais feliz do mundo, mas eu não acredito mais nisso. Te acho tão mentiroso agora que suas atitudes são estranhas demais! Ainda que você me diga que não existirá alguém como eu na sua vida, como você me disse tantas vezes, eu não vou acreditar porque você levou embora toda a minha crença em relação a quem você realmente é - na verdade acho que nem você mesmo sabe. E sei que você me responderia com toda a sua ira e diria para eu não me preocupar com você, que eu deveria sentir raiva de você e não querer o seu bem.

Eu posso te dizer que sinto nojo e sinto um ódio terrível de você, mas só às vezes. Eu tenho um sentimento, que se batesse na janela do seu quarto e conseguisse entrar por ela, poderia ferir você de tão forte, porém, não é forte o suficiente para ultrapassar o vidro e te atingir. Então ele enfraquece novamente e eu acredito no ditado que diz que ‘o amor e o ódio andam de mãos dadas’. É por isso que a minha mão ainda reconhece a sua. Não sei até quando porque estou empenhado em soltar as suas mãos de vez, mas ainda não. Não quando você ainda me liga chorando, dizendo que aquela música especial te faz pensar emmim.

Olha, acho que já escrevi demais e essa carta talvez seja uma bobagem ainda maior que a ligação que você não atendeu. Mas espero que você esteja protegido desses clarões e barulhos assustadores que cantam nessa imensidão sobre nossas cabeças. Eu estou aprendendo a me virar por aqui. Fique bem. Corra da chuva. Não quero que fique resfriado. E, por favor, não ande descalço porque a sua alergia pode voltar a qualquer momento por conta do tempo. Proteja-se. Eu estou me protegendo de você também agora.

Até um dia, Pedro.

06 de junho de 2016


2 comentários:

  1. Que honra me ver por aqui, Reb! E ainda mais recepcionado por um poema lindo do Vinícius! <3 Obrigado pelo espaço.

    Beijos!
    Diego, Blog Vida & Letras
    www.blogvidaeletras.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Oi Rebeca!
    Adorei o poema do Vinicius (sempre muito amor) e o texto do Diego!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

    ResponderExcluir

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial