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junho 07, 2016

Voos e Sinos e Misteriosos Destinos, de Emma Trevayne | Editora Seguinte


Quando Jonatas nos disse que poderíamos postar sua resenha no ano que vem, ou em alguma ocasião fora do mês dos namorados, percebi que não importa o mundo literário com o qual estejamos lidando: sempre que um livro nos toca, para o bem ou para a agonia, estaremos sempre falando de alguma espécie de amor - como o envolvimento de nossas lembranças com o inventário de amares do autor, ou com o que supomos que este esteja sentindo, ali, no dizer da página e da esquina.

Bom, pelo menos este tem sido o nosso entendimento (que certamente não é o único, e tampouco o ideal - como se houvesse um ideal) quanto ao que seja uma resenha; afinal, seja o livroautor que for, estaremos falando sempre do que bate aqui dentro, e do que ressoa, explode, paralisa, e também irrita, e deixa vermelha a carne e a pele do texto. Por este motivo, neste mês dos namorados, acordei com o pensamento em um livro de Hemingway, O Velho e o Mar, que talvez um livro à primeira vista não esperançoso, dolorido. E talvez Ernest tenha até sentido tudo isso, não saberemos. O que importa é que em suas páginas encontramos o mar e sua rotina (assim como o trabalho das intempéries e dos dias), e estes igualmente nos falam deste algum sentimento-amor: porque é preciso força pra acordar neste sol que atravessa a espinha, e que como lança ou revés atravessa nossa correnteza e ritmo, e dela pesca o mais rosado peixe, e deixa o coração ficar vazio, ou com um anzol enrolado na espinha.

Hoje, por lembrar desde amor demais, postaremos então uma resenha que fala de mundos atravessados, e sentimentos engasgados, atropelados pelo desejo de partir, bem como o de não mais (des)esperar. Conheça Voos e Sinos e Misteriosos Destinos, de Emma Trevayne, publicado pela Editora Seguinte.
 

Sinopse: Nesta fábula moderna, com gosto das aventuras clássicas que encantam os jovens leitores há tantos anos, conhecemos a história de Jack Foster, um garoto de dez anos que, como qualquer um da sua idade, sonhava viver grandes aventuras. Ele morava em Londres mas estudava em um colégio interno, voltando para casa apenas nas férias, quando ficava completamente entediado.

Mas, um certo dia, Jack atravessa uma porta mágica e, do outro lado, encontra uma cidade ao mesmo tempo muito parecida e muito diferente daquela que conhecia. Em Londinium, apesar de reconhecer as ruas e prédios, ele encontra um cenário steampunk, com engrenagens e fuligem por todos os lados. Por ali era raro encontrar alguém que não tivesse nenhuma parte do corpo feita de metal. E era justamente isso que a Senhora - uma mulher rígida e temperamental que governava a cidade desde sempre - buscava: um filho de carne e osso.

Jack logo descobre que aquele lugar era extremamente perigoso, e que voltar para casa não seria tão fácil quanto tinha sido chegar até ali...



O Império sem Mãe


Se algum dia na sua vida pensou em fugir de casa, certamente há um pouco de “Voos e Sinos e Misteriosos Destinos”, por Emma Trevayne, que tenha a ver com você. Eu mesmo tive minha cota desse tipo de ideia tola. Em torno dos cinco anos, quando era contrariado por minha mãe, costumava choramingar que iria embora e nunca mais a veria novamente. Depois corria pelo quintal e arremessava bonecos de borracha, daqueles que se aperta para fazer um barulho com o apito embutido, e eles sumiam por cima do muro. Esperava ter uma desculpa para escapulir pela porta da frente e desaparecer nas ruas e nunca mais voltar. Porém, diferente de Jack, o genial menino que protagoniza a história de Emma, nunca tive coragem de ir além da calçada.

Jack era bem mais velho do que eu era naquela época, apesar do pensamento de fugir nunca me ter escapado até a idade dele (quase onze anos). Tampouco fui uma criança genial, capaz de desmontar, montar e consertar qualquer engenhoca mecânica, ao passo que ele se mostrava prolífero. Sempre tive talento apenas para quebrar. Todavia, enquanto vivi a breve aventura com o menino Jack, atravessando um portal de Londres para a cópia quase exata chamada Londrinum, senti o gostinho do seu impulso em conhecer e explorar o mundo distante. Não que agora eu tenha perdido esse impulso, mas todos sabemos que, quando ficamos velhos, o desejo de explorar não é a mesmo da primeira vez nessa idade.

Toda a cidade era úmida de óleo e suja de fuligem numa versão excêntrica do século XIX. Conforme caminhava pelas ruas pavimentadas, não houve um instante em que não sentisse o cheiro de carvão e ouvisse o som de enormes fornalhas com esteiras movidas a engrenagens, carregando toneladas de minério para fundir. Ela pulsava e trabalhava sem parar a fim de sustentar o misterioso Império de Senhora. E o mais curioso neste mesmo mundo abarrotado de máquinas e embarcações aladas, é que havia fadas a voar livres pelos cantos arrumando problemas e beliscando canelas de distraídos. E dragões, alguns, autênticos monumentos de engenharia industrial com suas asas afiadas, aterrorizando montanhas, sedentos por uma bela dose de óleo lubrificante.

Senhora deve ser alguém muito poderosa para governar um mundo assim, você deveria se perguntar. E afirmo que eu pensei a mesma coisa, que se tratava daquelas personagens em que se concentra a mais poderosa e antiga forma de magia, uma déspota que submete os demais aos seus caprichos e envia o mais tolo desafeto para a condenação pela forca. Entretanto, creio que ela fosse uma personagem bem mais complicada: Senhora já tinha tudo, isso era óbvio, mas lhe faltava alguma coisa cuja necessidade nascia em sua natureza feminina. Ela desejava ser mãe. Então, sentia-se incompleta, por isso pedira ao fiel Lorcan lhe trazer algum garoto e assim compensasse a falta. A condição de Senhora é uma perspectiva que aprecio numa história pela primeira vez, que me lembre. Você deve se recordar de que Peter Pan e os meninos perdidos tinham Wendy como mãe, e os irmãos de Wendy chegaram a acreditar que ela era sua mãe de verdade. Na história de Trevayne acontece o contrário: ao invés de filhos precisando de mãe, é uma mãe que anseia por um filho, e tal desejo poderia ter um efeito catastrófico, exatamente por ser uma personagem com tamanho poder. Então, Trevayne, desde já te agradeço por ter contado esta história assim.

Eis a aventura de Jack, um menino adotado por Senhora de Londrinum e todo mundo conhecido, habitado por unicórnios, autômatos com alma e magos com braços mecânicos que invocam diabretes para lhes cortar o dedo e praticar a clarividência. Agora, é por sua própria conta e risco acompanhar Jack nessa bem venturosa jornada para longe e de volta à casa. Não posso ir com você além daqui.


P.S. para Noemi:
Quanto à minha própria mãe, espero que não se entristeça se souber que me anima lembrar daquele tempo de criança fujona. Não posso mentir que creio que a vontade de ir para longe seja algo bom, talvez uma virtude. Acho a experiência necessária para que se prospere no coração o valor da saudade. É uma maneira de nós aprendermos que não há lugar melhor do que com nossa família, e se o retorno não for possível, ou se mesmo não houver família que preceda a jornada da vida, que, numa sucessão infinita de tentativas que carregamos desde nossos ancestrais, sigamos adiante e fundemos o nosso próprio lar. É no que acredito.


Por Jonatas T.B.
Junho 2016

2 comentários:

  1. As palavras da Reb foram incríveis, a sua resenha perfeita como sempre Jônatas, mas esse Post Scriptum para a sua mãe (estou supondo que ela é a Noemi), ficou sensacional!!! Como sempre, belo texto!
    Bjos

    www.bloggihmedeiros.blogspot.com.br

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  2. Rebeca sempre acerta nas palavras. Na verdade, a primeira resenha foi meio que tentando imitar os textos dela. E sempre, não posso negar esse fato, que o estilo dela me são meio que uma direção para escrever qualquer resenha.

    Esse foi meio que um texto dedicado atrasadamente de dia das mães. hehe
    Eu deveria dedicar todos a ela. Afinal. Devo qualquer texto que vá escrever a dona Noemi. XD

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