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abril 18, 2017

Bartleby, o escrivão - Herman Melville | Editora José Olympio


"Bartleby era um desses seres sobre os quais nada pode se dizer com certeza (...). Em uma resposta ao meu anúncio, um jovem imóvel surgiu uma manhã à porta do escritório. (...) À princípio, Bartleby escrevia numa quantidade espantosa. (...) Mas escrevia em silêncio, apaticamente, mecanicamente.

Creio que foi no terceiro dia de sua presença no escritório (...) quando eu o chamei, explicando rapidamente para que o desejava: conferir junto comigo um pequeno documento. Imaginem minha surpresa... mais do que isso, minha consternação, quando Bartleby respondeu, sem deixar sua privacidade, em voz singularmente suave e firme:

- Preferia não fazê-lo.

Fiquei em silêncio total por um momento, recompondo minhas faculdades atordoadas (...).

- Preferia não fazê-lo?

- Preferia não fazê-lo."


Bartleby, o escrivão, é um personagem lembrado por sua resignação e apatia. Publicado em 1853, Bartleby é uma espécie de comentário de seu próprio autor, Herman Melville, cuja vida fora igualmente marcada pela reprovação e esquecimento. Em sua meia idade, já na década de 1860, era constante o pessimismo de Melville em relação a escrita, e tamanha ausência de perspectiva fez com que abandonasse o ofício literário para, assim como Bartleby, ocupar o restante de seus dias em um cargo meramente burocrático.

Sobre este icônico personagem, pouco sabemos de suas origens (a não ser no prólogo, onde o narrador - um advogado razoavelmente bem sucedido - encerra com um suposto indício biográfico, de poucas linhas, porém capaz de despertar no leitor uma nova empatia por Bartleby, e uma espécie de justificação por seu excêntrico comportamento). Na opinião de muitos comentadores, como Enrique Vila-Matas, o enredo de Bartleby é o fundamento para a chamada "Literatura do Não", ou da Negação, onde a apatia de seus personagens é ao mesmo tempo um não sujeitar-se ao mundo, como também uma espécie de insolente permanência (em si, e em tudo aquilo que não se deseja modificar):

"- Agora, uma das duas coisas precisa ocorrer: ou você faz alguma coisa, ou algo será feito a você. Então, a que tipo de trabalho você gostaria de se dedicar? Você gostaria de voltar a fazer cópias para alguém?

- Não. Eu prefiro não fazer qualquer mudança."


Um pouco de história nos cabe aqui: o cenário escolhido para o conto de Melville é um pequeno escritório em Nova Iorque, onde a rotina (pouco equilibrada, porém funcional) de um advogado e seus três funcionários é subitamente alterada com a chegada de um novo personagem, Bartleby, que respondera um anúncio para uma vaga de escrivão. A princípio, o jovem aprendiz exerceria seu ofício de forma compenetrada e intensa (Bartleby apenas copiava, sem conversar, e tampouco almoçar, ou simplesmente sair do escritório), e esta "presença imóvel" de algum modo conquistaria a confiança de seu empregador:

"Em resposta a um anúncio, um jovem que não se mexia surgiu (...); ainda hoje sou capaz de visualizá-lo - palidamente limpo, tristemente respeitável, incuravelmente pobre! Era Bartleby.

Depois de algumas palavras a respeito de suas qualificações, contratei-o, satisfeito por ter em minha equipe de copistas um homem de aspecto tão singularmente sossegado, que eu acreditei poder ser benéfico ao temperamento excêntrico de Turkey e ao gênio explosivo de Nippers."


Com o passar dos dias e da repetição dos expedientes, de forma também súbita Bartleby respondera a um pedido de seu chefe (no caso, a simples revisão de um dos textos copiados) com uma das frases tornadas icônicas em toda a literatura: "Preferia não". Ou seja, para qualquer tarefa solicitada dali por diante, Bartleby assim responderia: - Prefiro não fazê-la.

E assim a história prossegue, e se repete: uma nova tarefa, a mesma "não-preferência", e um inominado espanto de seu chefe e equipe.

Neste momento do livro, a intransigência de Bartleby (por muitos comentadores entendida como uma "vontade de resistência" às transformações do trabalho e do mundo neste quase início de século 20) chega a ser cômica, tamanho o impulso de habitar o espaço social apenas "existindo" ("Ele permaneceu como sempre, feito um ornamento em meu escritório. Não, ele tornou-se ainda mais um ornamento do que antes (...); ele não fazia nada no escritório (...); ainda assim, eu sentia por ele."), ou melhor, recusando-se a viver.

A história de Bartleby segue nesta aparência de abandono, e encerra seu protagonista em uma preferência pelo impossível: dentre toda coerção e arbítrio, o coração persiste naquilo em que acredita, por mais que esta predileção seja um prelúdio para sua própria dissolução e fim.

Bartleby: definitivamente um dos contos mais intrigantes de nossa literatura.


"... antes de me despedir do leitor, deixe-me dizer que, se esta pequena narrativa interessou-o suficientemente para despertar curiosidade sobre quem era Bartleby e que tipo de vida ele levava antes de o presente narrador conhecê-lo, posso apenas responder que partilho completamente dessa curiosidade, mas sou totalmente incapaz de satisfazê-la."



Em Bartleby, o escrivão (Editora José Olympio), Herman Melville, autor de Moby Dick, traça uma irônica e literária análise da natureza humana. O personagem título é um jovem amanuense judicial que, cansado do trabalho burocrático, decide adotar o “não” como lema e o “nada” como estilo de vida. Publicado originalmente, de forma anônima, numa revista em 1853, Bartleby, o escrivão é mais um lançamento da coleção Sabor Literário, que vem apresentando textos inéditos ou pouco conhecidos de grandes escritores.



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