"Algumas dores nunca passam. (...)
Essa foi sua primeira adaptação à realidade.
O início do teatro. (...)
É assim que nos tornamos artistas?
Acostumando-nos às loucuras dos outros? (...)
Agora precisava aprender o que era a solidão.
Charlotte não dividia com ninguém estes sentimentos. (...)
Estar no seu mundo, o que isso significava?
O devaneio e, certamente, a poesia. (...)
Charlotte podia sorrir e sofrer ao mesmo tempo.(...)
Em janeiro de 1933, o ódio ascendeu ao poder. (...)
A violência se generalizou, livros foram queimados. (...)
Quanta alegria por não morrer imediatamente."
Essa foi sua primeira adaptação à realidade.
O início do teatro. (...)
É assim que nos tornamos artistas?
Acostumando-nos às loucuras dos outros? (...)
Agora precisava aprender o que era a solidão.
Charlotte não dividia com ninguém estes sentimentos. (...)
Estar no seu mundo, o que isso significava?
O devaneio e, certamente, a poesia. (...)
Charlotte podia sorrir e sofrer ao mesmo tempo.(...)
Em janeiro de 1933, o ódio ascendeu ao poder. (...)
A violência se generalizou, livros foram queimados. (...)
Quanta alegria por não morrer imediatamente."
A neve atrai o poema, a trincheira trai exílio. Em um quarto de século, o canto virou cinzas, e a esperança um papel prometido: nome e sobrenome, um carimbo, judia, o Campo a espera, pode seguir.
O livro de David Foenkinos é baseado na história real de Charlotte Salomon, uma jovem pintora alemã cuja vida fora marcada por uma trágica herança familiar, e uma consequente melancolia. Filha de Albert, um médico alemão, e Franziska, uma jovem enfermeira, há anos assombrada por estrofes de morte em sua casa, foi ao som desta mórbida linhagem que Lotte cresceu, e, de sua janela, anos mais tarde, presenciou o estouro da primeira guerra, e também a silenciosa despedida de sua mãe.
Algumas dores nunca passam, e este viria a ser o cativeiro de Charlotte. O primeiro.
Ainda no início de suas páginas, porém já em 1930, a então adolescente Charlotte viria a compartilhar com o pai um novo sorriso: Paula, uma soprano de Berlin, recém-chegada à história dos Salomon, cuja presença desafiaria o passado e sua desolação, que, de algum modo, com esta presença se desfazia. Era inverno, mas o coração dos Salomon estava aquecido. Neste estranho consolo, havia todo um fascínio. Uma espécie de vida que renascia.
E foi assim que o casamento de Paula e Albert aconteceu. Em uma Sinagoga, ali bem próximo ao apogeu cultural de Berlin.
Por um punhado de anos, Charlotte pôde admirar este novo canto, e espantar seus assombros com a força do cantarolar de sua família. No entanto, como toda canção chega ao seu fim, foi no ano de 1933 que um hino marcial viria a encobrir a potência de toda voz, e assim denominá-la dissonante, porque não afeita a este novo Estado, feito de farpas e ódio e fardas, e toda uma cegueira.
Nesta Alemanha que agora apontava seus rifles e dedos, Charlotte havia chegado aos dezesseis. Seja bem-vinda, pequena judia, não saia do gueto antes que Ele o diga.
Como se antevisse um mal ainda maior, Charlotte viria a traduzir suas memórias em vigor e tinta, e esta foi das decisões a mais arriscada, embora precisa. Sob o refúgio de pinceladas e poesia, foi assim que a vida de Charlotte chegou até nós, atravessando gerações e décadas em inúmeros memoriais, como o de David Foenkinos, cuja sensibilidade literária se torna mais uma testemunha desta insondável crueldade do nacional-socialismo da Alemanha das décadas de 1930 e 40. Embora uma infinidade de Charlottes tenham sido emudecidas em Auschwitz, impressiona-nos hoje o fato de que foi unicamente através da Arte que retalhos de vidas puderam alcançar os nossos dias, e atravessar nossa história como se numa espécie de redenção.
Charlotte, enquanto personagem e Salomon, é também o testemunho do teatro que o ser humano cria para si mesmo. No texto de David Foenkinos, além de uma extrema afeição por esta vida (David conheceu Charlotte quando em visita a um museu, onde, de forma inesperada, sentiu-se paralisado, e diante de uma pintura sentiu ter encontrado "tudo o que eu gostava. Tudo o que me perturbava há anos (...) A música e a fantasia. O desespero e a loucura. Tudo estava ali. Num brilho de cores vivas".), é possível entender que, de um ponto ao outro da história, tudo o que temos é a memória de nossos gestos, tornados vivos por aqueles que testemunham nossa breve estada neste ensaio de morte e vida, onde, a cada minuto, civilizações e narrativas são enterradas, e novos mundos por suas alemanhas são também instituídos.
O livro de David Foenkinos é baseado na história real de Charlotte Salomon, uma jovem pintora alemã cuja vida fora marcada por uma trágica herança familiar, e uma consequente melancolia. Filha de Albert, um médico alemão, e Franziska, uma jovem enfermeira, há anos assombrada por estrofes de morte em sua casa, foi ao som desta mórbida linhagem que Lotte cresceu, e, de sua janela, anos mais tarde, presenciou o estouro da primeira guerra, e também a silenciosa despedida de sua mãe.
Algumas dores nunca passam, e este viria a ser o cativeiro de Charlotte. O primeiro.
Ainda no início de suas páginas, porém já em 1930, a então adolescente Charlotte viria a compartilhar com o pai um novo sorriso: Paula, uma soprano de Berlin, recém-chegada à história dos Salomon, cuja presença desafiaria o passado e sua desolação, que, de algum modo, com esta presença se desfazia. Era inverno, mas o coração dos Salomon estava aquecido. Neste estranho consolo, havia todo um fascínio. Uma espécie de vida que renascia.
E foi assim que o casamento de Paula e Albert aconteceu. Em uma Sinagoga, ali bem próximo ao apogeu cultural de Berlin.
Por um punhado de anos, Charlotte pôde admirar este novo canto, e espantar seus assombros com a força do cantarolar de sua família. No entanto, como toda canção chega ao seu fim, foi no ano de 1933 que um hino marcial viria a encobrir a potência de toda voz, e assim denominá-la dissonante, porque não afeita a este novo Estado, feito de farpas e ódio e fardas, e toda uma cegueira.
Nesta Alemanha que agora apontava seus rifles e dedos, Charlotte havia chegado aos dezesseis. Seja bem-vinda, pequena judia, não saia do gueto antes que Ele o diga.
Como se antevisse um mal ainda maior, Charlotte viria a traduzir suas memórias em vigor e tinta, e esta foi das decisões a mais arriscada, embora precisa. Sob o refúgio de pinceladas e poesia, foi assim que a vida de Charlotte chegou até nós, atravessando gerações e décadas em inúmeros memoriais, como o de David Foenkinos, cuja sensibilidade literária se torna mais uma testemunha desta insondável crueldade do nacional-socialismo da Alemanha das décadas de 1930 e 40. Embora uma infinidade de Charlottes tenham sido emudecidas em Auschwitz, impressiona-nos hoje o fato de que foi unicamente através da Arte que retalhos de vidas puderam alcançar os nossos dias, e atravessar nossa história como se numa espécie de redenção.
Charlotte, enquanto personagem e Salomon, é também o testemunho do teatro que o ser humano cria para si mesmo. No texto de David Foenkinos, além de uma extrema afeição por esta vida (David conheceu Charlotte quando em visita a um museu, onde, de forma inesperada, sentiu-se paralisado, e diante de uma pintura sentiu ter encontrado "tudo o que eu gostava. Tudo o que me perturbava há anos (...) A música e a fantasia. O desespero e a loucura. Tudo estava ali. Num brilho de cores vivas".), é possível entender que, de um ponto ao outro da história, tudo o que temos é a memória de nossos gestos, tornados vivos por aqueles que testemunham nossa breve estada neste ensaio de morte e vida, onde, a cada minuto, civilizações e narrativas são enterradas, e novos mundos por suas alemanhas são também instituídos.
"Charlotte se fechava cada vez mais.
Não cessava de ler e sonhava cada vez menos.
Foi nesse período que o desenho entrou em sua vida.
A paixão pela Renascença permitiu-lhe sair de sua época. (...)
Existe um ponto preciso na trajetória de um artista.
O momento em que sua própria voz começa a ser ouvida."
Não cessava de ler e sonhava cada vez menos.
Foi nesse período que o desenho entrou em sua vida.
A paixão pela Renascença permitiu-lhe sair de sua época. (...)
Existe um ponto preciso na trajetória de um artista.
O momento em que sua própria voz começa a ser ouvida."
Parênteses: Charlotte foi o tema de nosso clube Leituras no Subsolo, realizado mensalmente na Livraria Leonardo Da Vinci, no Rio de Janeiro. Se você gosta de boas histórias, fique ligado na programação do Leituras no Facebook da livraria e venha conversar com a gente :)
Sinopse: Uma tragédia familiar pouco antes da Segunda Guerra Mundial marca a vida da pequena Charlotte, que já dava indícios da realizada artista que viria a se tornar. Obcecada pela arte e pela vida, a jovem, progressivamente excluída de todas as esferas sociais alemãs com a ascensão do nazismo, teve que abandonar tudo para se refugiar na França. Exilada, ela inicia uma obra pictural autobiográfica de uma modernidade fascinante.
David Foenkinos coloca em suas próprias palavras um tributo original, apaixonado e vivo a Charlotte Salomon. Esse romance assombroso e redentor, pautado na vida da trágica figura real que lhe serve de protagonista, é o relato de uma busca. Da busca de um escritor obcecado por uma artista.
Aquela leitura que arranca um pedaço do peito!!! Sortudos os participantes do clube que puderam vislumbrar um pouco dessa obra! Bjoooo ❤
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