“– Como você soube que ele estava aqui? Quem contou?
– Eu... Eu estava em casa... A polícia me avisou – respondeu Ally. – Encontraram meu número na carteira dele. O que você está fazendo aqui, Charlotte?
Por um momento as palavras dela me deixaram sem fala. Ela estava delirando? Era ela que não devia estar na sala. Era ela a intrusa.
– Por favor, vá embora. Seu lugar não é aqui – declarei.
– Não faço a menor ideia do que você está falando, mas é claro que meu lugar é aqui. O homem que eu amo está lutando pela vida, onde mais eu deveria estar?
– Ele não é seu marido. É meu! – gritei, a voz embargada enquanto as lágrimas que eu não queria que ela testemunhasse começavam a rolar.
Os olhos de Ally se arregalaram, incrédulos. Ah, claro, como se ela não soubesse que tínhamos nos casado.
– David? – perguntou ela, trêmula, e, só de ouvir o nome dele em sua boca, já sentia ódio. – David está aqui? Neste hospital? Nesta emergência?
Seus olhos fitaram os meus e, dentro deles, vi o reflexo de meu próprio ceticismo diante do que o destino fizera mais uma vez: nos reunira de forma implacável, sem que pudéssemos fugir.
– Não é por causa do seu marido que eu estou aqui. É por causa do meu – explicou Ally.”
Conforme o tempo vai passando e a gente amadurece, olhamos para trás com um olhar mais brando, mais gentil. Mas algumas lembranças, algumas marcas, nós evitamos porque nos causam uma dor tão familiar quanto no primeiro momento em que a sentimos, e nenhum de nós quer se manter preso a uma dor dessas, ainda que ela se torne uma velha conhecida.
Mas, como você lida com algo ou alguém que te machucou tanto, quando o destino lhe coloca frente a esse alguém de maneira que não possa se esconder? E em uma situação em que novas feridas podem ser abertas? Como a gente encara o passado sem perder o que construímos no presente?
Não existe resposta certa a essas perguntas e esse é o dilema apresentando em Nossa Música, livro mais recente da autora londrina Dani Atkins e publicado pela Editora Arqueiro. A autora teve ótimo acolhimento do público com seus livros anteriores, Uma Curva no Tempo (2015) e A História de Nós Dois (2016), ainda não lidos por mim – o que eu pretendo remediar em breve!!!
O início dessa história já é um tremendo baque. Temos dois homens em situações distintas, que acabam parando na emergência de um hospital, correndo sério risco de vida. Suas esposas, cada uma em um momento particular – uma cuidando de afazeres domésticos, enquanto a outra faz as unhas em um salão chique – são notificadas e correm para esse hospital o quanto antes. O que elas não imaginam, é que esse encontro vai catalisar uma volta ao passado, algo que ambas não desejariam nem em seus momentos de maior força interior.
David foi o primeiro amor de Ally, em uma época da juventude de ambos em que ambos não tinham muita maturidade para realmente levar um relacionamento a sério, a ponto de passar por cima de medos e mal entendidos e o rompimento deixou aos dois magoados e com um pedaço de seus corações permanentemente ligados ao outro. Eles conseguiram seguir em frente, Ally casando-se com Joe e David com Charlotte, em relações aparentemente mais harmônicas e livres de grandes conflitos.
Oito anos se passam desde o último encontro eles, mas nenhum dos dois conseguiu de fato superar a perda do primeiro amor, ainda que estejam felizes com suas vidas atuais e cheios de planos para o futuro. Um futuro que parece não mais existir diante da gravidade do presente.
David sofre um ataque cardíaco e precisa ser socorrido rapidamente, enquanto Joe, em um momento de solidariedade e responsabilidade, acaba caindo em um lago congelado, chegando ao hospital em estado gravíssimo devido à hipotermia e afogamento sofridos.
A vida de ambos corre perigo e um infeliz acaso acaba reunindo as duas mulheres, que nunca perdoaram uma à outra pelo que houve no passado.
"Entre nós havia tanto combustível para desavenças que a mais íntima centelha poderia desencadear uma explosão, algo que nenhuma das duas era capaz de lidar no momento."
Porém, conforme a noite passa e ambas não conseguem fugir da presença uma da outra, acabam revivendo o passado de dor, mas também acabam amadurecendo os próprios sentimentos e tomam decisões que vão afetar não só suas vidas, como a de todas as pessoas que as rodeiam.
"Parece que algo, como um arame farpado invisível, nos mantém amarrados todos juntos. Você acha que já passou, acha que está livre, mas, se correr muito na direção oposta...bem, ele corta você."
Com muita sensibilidade e delicadeza, Dani nos envolve na vida dessas quatro pessoas, que bem poderiam ser nossos amigos, nossos familiares ou nós mesmos, tornando essa uma leitura de aprendizado e reflexão profunda, que nos deixa pensando e pensando e pensando, por muito tempo depois de finalizado o correr dos olhos pelo texto, deixando um aperto no coração ao nos imaginar na pele de qualquer um deles. Para seguir em frente, só respirando muito fundo mesmo!!!!
"Nós nos despedimos daqueles que amamos milhares de vezes durante a nossa vida: a cada vez que saem pela porta de casa, a cada vez que desligamos o telefone, a cada aceno de adeus. Só não sabemos qual dessas despedidas será a derradeira. Não é para sabermos."
Ally e Charlotte poderiam ter sido grandes amigas se David nunca tivesse entrado em suas vidas. Mas ele entrou e, depois de ser o primeiro grande amor (e também a primeira grande desilusão) de Ally, casou-se com Charlotte.
Oito anos depois do último encontro, o que Ally menos deseja é rever o ex e sua bela esposa. Porém, o destino tem planos diferentes e, ao longo de uma noite decisiva, as duas mulheres se reencontram na sala de espera de um hospital, temendo pela vida de seus maridos. Diante de incertezas que achavam ter vencido, elas precisarão repensar antigas decisões e superar o passado para salvar aqueles que amam.
Com a delicadeza tão presente em seus livros, Dani Atkins mais uma vez nos traz uma história de emoções à flor da pele, um drama familiar comovente que não deixará nenhum leitor indiferente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário