"No sótão, vivem-se as horas de longa solidão. (...) No sótão também as intermináveis leituras. No sótão, o disfarce com os trajes de nossos avós, com o chale e os laços. (...) Ali, as coisas velhas se imprimem, para o resto da vida, na alma da criança. Um devaneio dá vida a um passado familiar, à juventude dos antepassados." (Gaston Bachelard)
Certas histórias adormecem. Entre o bolor e a trégua, o tempo que enfraquece é o mesmo que
reconstrói; e o que seria da memória sem rumores e fortalezas? Quando em gavetas, o passado desbota suas páginas, e por vezes adoece. Nódoas e glórias nos fazem então contar histórias, principalmente quando tão certas, tão seguras de que não se pode mais aprisioná-las, muito menos em gavetas.
Nascida enquanto percurso ou certidão, a escrita do passado é necessária não apenas enquanto desabafo ou homenagem, ou ainda romance intempestivo; honrar o passado é uma forma de resistência (senão a única), de modo que só se pode avançar contra os que se apresentam incendiários com a certeza de que nossa existência não é mera letra, mas uma proposição de existência. Queiram os adversários ou não.
"Mas daí a contar sua história? Como se houvesse palavra que pudesse expressar o que fora tudo aquilo? (...) De que adiantaria expor seus entes queridos? O mundo continuava do mesmo jeito. Injustiças, opressão, racismo, antissemitismo existiriam para sempre. (...) Por que nunca falara sobre isso?
(...) Dor é coisa que se sente. Quando muito intensa, se espalha no ar. Sinto a dor de Adele. E não posso fazer nada. Passados sessenta anos, ninguém pode fazer nada." (p. 147-148)
Porque é de guerra que falamos quando insistem em desdizer o que na própria pele se inscreveu. Não nos cabe um ensaio sobre a legitimidade e o testemunho; ainda assim, sobre Auschwitz, há que se apontar os que porfiam tratados dizendo "não foi bem assim". E muitos são os que ditam reescritas deste ontem "que não (n)os convém". Quanto ao Holocausto "em si", permanece na história enquanto alegoria politika, moeda de reputação e escambo entre ideólogos, acadêmicos e até alguns ingênuos. Pontos nevrálgicos na história do homem sempre haverão, porém não basta a borracha em seus altares para eximi-los. E não é preciso rebobinar demais os acontecimentos: em nosso cotidiano, por exemplo, vemos protestos a favor e contra a "minha luta", enquanto ao mesmo tempo erguemos altares para uma certa "verdade tropical". A realidade, ao que parece, é como uma grande cárie em meio a ineficácia de uma anestesia: sempre uma inadequação; sempre um desequilíbrio entre o que pode e o que não pode ser digerido, quiçá dito.
O livro de Luize Valente se apresenta enquanto um romance de pesquisa e testemunho. Inspirado em relatos de uma sobrevivente do holocausto, que ainda hoje carrega em lucidez a inconsequência de todo um século, Sonata em Auschwitz apresenta ao leitor uma trama de personagens que, distantes temporal e geograficamente, carregam as marcas de uma ferida que dificilmente cicatrizará, especialmente porque ainda lhes são impostos o ardil da injúria, e a vergonha do esquecimento. Mein Politka, e não importa a nacionalidade, e sim a linguagem, que, com o aval do Poder, tem a função de desconstruir todo e qualquer sentido. Afinal, o sangue não é assim tão vermelho, e tampouco o partid..., como ousa, como...?
"Havia três meses que a Alemanha assinara a rendição. (...) Enoch e Johannes optaram por viver um dia de cada vez, como nos tempos da guerra, porém com a agravante de sentirem um pessimismo que evitavam dividir um com o outro. (...) E assim levavam os dias, esperando que a paz finalmente assentasse. Não eram armistícios que a garantiriam.
(...) Para que vale a verdade? O que é a verdade? (...) Dizem que os bons pereceram em Auschwitz. Eu acredito que Auschwitz pereceu nos bons. Bons como Adele. Que vivem apesar de. São viventes. O resto de nós é sobrevivente." (p. 327; 343; 346)
A cada relato e ficção da autora, a cada pesar e ilusão de suas personagens, o leitor vivenciará Sonata em Auschwitz como uma lembrança a qual embalamos fielmente; porque afinal, não se pode dizer adeus a uma família, uma canção e tampouco a um filho; neste livro de Luize Valente, é preciso entender a memória enquanto testemunho, ainda que em meio a escombros; ainda que sob as auguras e honras de se estar e permitir-se ainda vivo.
"Mas daí a contar sua história? Como se houvesse palavra que pudesse expressar o que fora tudo aquilo? (...) De que adiantaria expor seus entes queridos? O mundo continuava do mesmo jeito. Injustiças, opressão, racismo, antissemitismo existiriam para sempre. (...) Por que nunca falara sobre isso?
(...) Dor é coisa que se sente. Quando muito intensa, se espalha no ar. Sinto a dor de Adele. E não posso fazer nada. Passados sessenta anos, ninguém pode fazer nada." (p. 147-148)
O livro de Luize Valente se apresenta enquanto um romance de pesquisa e testemunho. Inspirado em relatos de uma sobrevivente do holocausto, que ainda hoje carrega em lucidez a inconsequência de todo um século, Sonata em Auschwitz apresenta ao leitor uma trama de personagens que, distantes temporal e geograficamente, carregam as marcas de uma ferida que dificilmente cicatrizará, especialmente porque ainda lhes são impostos o ardil da injúria, e a vergonha do esquecimento. Mein Politka, e não importa a nacionalidade, e sim a linguagem, que, com o aval do Poder, tem a função de desconstruir todo e qualquer sentido. Afinal, o sangue não é assim tão vermelho, e tampouco o partid..., como ousa, como...?
"Havia três meses que a Alemanha assinara a rendição. (...) Enoch e Johannes optaram por viver um dia de cada vez, como nos tempos da guerra, porém com a agravante de sentirem um pessimismo que evitavam dividir um com o outro. (...) E assim levavam os dias, esperando que a paz finalmente assentasse. Não eram armistícios que a garantiriam.
(...) Para que vale a verdade? O que é a verdade? (...) Dizem que os bons pereceram em Auschwitz. Eu acredito que Auschwitz pereceu nos bons. Bons como Adele. Que vivem apesar de. São viventes. O resto de nós é sobrevivente." (p. 327; 343; 346)
A cada relato e ficção da autora, a cada pesar e ilusão de suas personagens, o leitor vivenciará Sonata em Auschwitz como uma lembrança a qual embalamos fielmente; porque afinal, não se pode dizer adeus a uma família, uma canção e tampouco a um filho; neste livro de Luize Valente, é preciso entender a memória enquanto testemunho, ainda que em meio a escombros; ainda que sob as auguras e honras de se estar e permitir-se ainda vivo.
Sinopse: Um bebê nascido nas barracas de Auschwitz-Birkenau, em setembro de 1944. Uma sonata composta por um jovem oficial alemão, na mesma data, também em Auschwitz. Duas histórias que se cruzam e se completam. Décadas depois, Amália, jovem portuguesa, começa a levantar o véu de um passado nazista da família a partir de uma partitura que lhe é revelada por sua bisavó alemã. A dúvida de que o avô, dado como morto antes do fim da Segunda Guerra, possa estar vivo no Rio de Janeiro, a leva a atravessar o oceano e a conhecer Adele e Enoch, judeus sobreviventes do Holocausto.
A ascensão do nazismo na Alemanha, culminando na fatídica Noite dos Cristais, a saga dos judeus húngaros da Transilvânia, os guetos na Hungria e Romênia, os trens para Auschwitz, os mistérios acontecidos no campo de extermínio da Polônia e o pós-guerra numa casa cheia de segredos num lago de Potsdam oferecem os trilhos que Amália percorrerá para montar o quebra-cabeça.
A ascensão do nazismo na Alemanha, culminando na fatídica Noite dos Cristais, a saga dos judeus húngaros da Transilvânia, os guetos na Hungria e Romênia, os trens para Auschwitz, os mistérios acontecidos no campo de extermínio da Polônia e o pós-guerra numa casa cheia de segredos num lago de Potsdam oferecem os trilhos que Amália percorrerá para montar o quebra-cabeça.
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