"Eu era jornalista esportivo, desempregado mas orgulhoso, escolado em revezes, por baixo, mas seguro de meu valor. Um colega mais antigo, editor de um grande diário, me havia feito a proposta: ele precisaria de um jornalista free-lancer para cobrir a final com o Brasil – se ela acontecesse. Por esse motivo, mais do que os outros, eu torcia tanto pela Seleção... Uma viagem naqueles dias poderia me fazer bem, psicologicamente, para não falar do dinheiro.
Lembro de ter acordado tarde naquele sábado, de comer um misto-quente com pingado, que era ao mesmo tempo café da manhã e almoço, e de decidir dar uma volta pelo Centro, perto da quitinete onde eu morava. O entusiasmo pela Copa do Mundo já havia passado, restava, se tanto, um interesse desapaixonado. Aqui e ali, eu via ruas enfeitadas com bandeirinhas verdes, amarelas e vermelhas – mistura curiosa de decoração junina e torcida pela Seleção.
Faltando uns vinte minutos para o começo do jogo eu cheguei ao bar na São João. Foi quando o vi, sentado na calçada, apoiado numa árvore, acho que era uma palmeira – o homem misterioso cuja vida, misturada com a minha, tentarei contar aqui."
Enquanto Brasil e Itália disputam o terceiro lugar da Copa do Mundo de 1978, o jornalista esportivo Rafael peleja com o cotidiano e sua política. Neste fim de década, a juventude paulistana parecia mover-se entre as discussões de bar e o furor da mobilização, pois era preciso posicionar-se ou afirmar a sua alienação. Em busca de um novo emprego e da cura para um amor mal resolvido, Rafael narra os acontecimentos de 1978 como alguém que escreve um diário passional, onde pauta do dia ocupava-se seus próprios interesses, embora uma e outra revolta (o exílio de Clarice; o AI-5; uma sucessão de Papas, atentados e suicidas) fossem inevitáveis em seu relato.

1978 é um período de contrastes entre avanço e retrocesso, entre misticismo e ciência, entre o rudimentar e o refinado. E ainda: “No Brasil, muitas vezes, o que é antigo é tido como condenável. Este livro fala de resistência, da virtude do que é ancestral”, provoca Cid.
O livro, publicado pela Editora 7Letras, será lançado nesta quinta-feira em Brasília (DF), cidade onde mora o escritor.
Sobre o autor: Marcelo Cid é diplomata em Brasília e escritor. Autor de livros de contos e romances, traduziu obras em latim e é organizador de obras de crítica literária e de uma antologia de literatura. Publicou pela 7Letras, Ateliê Editorial e EDUC. Seu romance Unicórnios foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2011.
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