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setembro 14, 2016

Diário de Bordo, de Cecília Meireles | Global Editora


Quando o tempo em seu abraço
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Por meu dom divino, faço
tudo a que Deus me condena.

Da virtude de estar quieta
componho o meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta - em cada momento.


(in Mar Absoluto e Outros Poemas)



Foi em 1945 que os versos de Cecília Meireles anunciaram o mar enquanto metáfora para o transitório e a impermanência. Em Mar Absoluto e Outros Poemas, a voz do texto é a do passado, assim como a da travessia, sendo o poema a própria imagem de uma eternidade que pelos corpos se manifesta e esvai, como brisa e despedida, ou rastro de sonho, ou destroços e uma herança, todos estes tão próximos, tão familiar... Era o poema então tua-nossa família?

Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!...
Quem tivesse um amor - longe, certo e impossível -
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!
Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado...
Quem tivesse um amor, sem dúvida nem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria...
Ah! Quem tivesse... (Mas quem tem? Quem teria?)

(in Mar Absoluto e Outros Poemas)


Diário de Bordo, uma publicação de 2016 da Global Editora, resgata este olhar imenso de Cecilia, que sempre atento à grandiosidade do mundo e da terra por que percorre seus pés. Conheça melhor este lançamento obra assistindo o booktrailer realizado pela Global:




Diário de Bordo - Crônicas ilustradas de uma viagem marítima a Portugal

Sinopse: A história de Cecília começa antes de seu nascimento, inicia-se nos Açores, onde nasceram seus antepassados. A beleza e o silêncio do mar foram enriquecidos com os mistérios e o lado obscuro da morte – revelando uma poesia mística, lírica e serena. Diário de Bordo é o relato de uma viagem marítima, com destino a Portugal, que durou 22 dias. Os textos, em bela prosa, descrevem, inúmeras vezes, o matrimônio entre os mistérios do oceano e os céus enormes, em que procurou captar as constantes mudanças de cor e movimento, conforme as horas do dia, as nuvens, a força e a direção dos ventos.  A obra é composta também por ilustrações de Fernando Correia Dias, artista plástico português e marido da poeta, que a acompanhou nessa viagem. As crônicas e ilustrações foram publicadas pelo diário A Nação, sob o título Diário de Bordo.

Há as viagens que se sonham e as viagens que se fazem – o que é muito diferente.
O sonho do viajante está lá longe, no fim da viagem, onde habitam as coisas imaginadas.
Cecília Meireles

Esta obra, em que Cecília registra suas minuciosas impressões, não retrata somente a beleza dos mares, mas também os que, na terceira classe, regressavam, vencidos e humilhados, a Portugal, sem terem realizado o sonho da América. Entretanto, foi a partir dessas crônicas, que o mar se instalou na sua poesia como tema, paisagem e símbolo. A poetisa que merecia ser lida torna-se a poetisa que não podia deixar de ser lida, graças a um livro editado em Lisboa em 1939 e dedicado aos portugueses, com poemas em sua maioria escritos nos mesmos dias em que este Diário de Bordo, durante a estada em Portugal e nos primeiros dois anos da imensa mágoa da viuvez. O nome do livro é Viagem.

Canção

No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto

Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.




4 comentários:

  1. Oi Rebeca!

    Estou fascinada, adoro a Cecília Meireles, quero muito comprar esse livro!

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

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    Respostas
    1. Oi, Mi! Este livro é lindo mesmo! E ainda melhor com essas aproximações entre pintura e literatura né <3

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  2. Olá Rebeca, tudo bem?
    Nos conhecemos pelo Insta, e resolvi aparecer para conhecer o seu cantinho e gostei muito! Já estou seguindo aqui e nas redes sociais!
    Eu adoro Cecília Meireles. O primeiro de seus livros que li foi na época do meu ensino fundamental, acho que no último ano. Gostei tanto que lia tudo que achava dela. Depois acabei me interessando por outros gêneros e nunca mais li nada. Foi bom ler seu post e me recordar dos textos lindos e dos bons momentos que vivi com eles.
    Bjus
    Lia Christo
    www.docesletras.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Lia! Obrigada pela visita! <3 Tenho gostado desses "resgates literários", especialmente com estes autores dos tempos de escola, como você mencionou. Porque há que se lidar com esta passagem do tempo e da apreciação de nossos gostos, e de nós mesmos. E esta "literatura antiga" é um dos bons caminhos para este reencontro...
      Bacana conhecer teu blog também! Vou acompanhar :)
      Bjs

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