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outubro 20, 2016

Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea | Lacerda Editores / Editora Nova Aguilar


Retomando nossas postagens de Poesia, dedicamos o post de hoje a um título encontrado em um dos sebos mais conhecidos aqui do Rio de Janeiro, o Luzes da Cidade.

Nesta visita ao Luzes, encontrei o inacreditável Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, publicado em 1999 pela Lacerda Editores / Editora Nova Aguilar, hoje um selo do nosso parceiro Grupo Editorial Global. A Nova Aguilar é uma casa editorial que se destaca por seu trabalho com antologias e obras completas dos maiores clássicos da literatura nacional e estrangeira. Dentre os projetos realizados, obras completas de Aluísio Azevedo, Machado de Assis, Miguel de Cervantes e William Shakespeare. 


Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea - Alberto da Costa e Silva Alexei Bueno (Org.)

O projeto da Antologia tem como ponto de partida uma publicação de 1944, Poetas novos de Portugal. Organizada por Cecilia Meireles, Poetas foi responsável por difundir entre os leitores brasileiros um apanhado de obras dos grandes nomes do Modernismo português, como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. 

Na antologia dos autores Alberto da Costa e Alexei Bueno, o leitor conhecerá o trabalho de 72 poetas, todos nascidos entre 1900 e 1965, e atuantes tanto no período modernista português como nas mais recentes orientações estilísticas de nossa geração. 

Aqui no blog, compartilhamos o trabalho de três autores dos mais conhecidos entre os leitores brasileiros: Sophia de Mello Breyner Andresen, José Saramago e Herberto Helder. Esperamos que gostem da seleção!


Sophia de Mello Breyner Andresen (1919)


Soneto à maneira de Camões

Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é o meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que m'o dês - pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano.
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.

(in Coral, 1950)



Varandas

É na varanda que os poemas emergem
Quando se azula o rio e brilha
O verde-escuro do cipreste quando
Sobre as águas se recorta a branca escultura
Quase oriental e quase marinha
Da torre aérea e branca
E a manhã toda aberta
Se torna irisada e divina
E sobre a página do caderno o poema se alinha

Noutra varanda assim num setembro de outrora
Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava
Amei a vida como coisa sagrada
E a juventude me foi eternidade




José Saramago (1922)


"Ergo uma rosa..."

Ergo uma rosa, e tudo se ilumina
Como a lua não faz nem o sol pode:
Cobra de luz ardente e enroscada
Ou vento de cabelos que sacode.

Ergo uma rosa, e grito a quantas aves
O céu pontuam de ninhos e de cantos,
Bato no chão a ordem que decide
A união dos demos e dos santos.

Ergo uma rosa, um corpo e um destino
Contra o frio da noite que se atreve
E da seiva da rosa e do meu sangue
Construo perenidade em vida breve.

Ergo uma rosa, e deixo, e abandono
Quanto me dói de mágoas e assombros.
Ergo uma rosa, sim, e ouço a vida
Neste cantar das aves nos meus ombros.




"Teu corpo de terra e água..."

Teu corpo de terra e água
Onde a quilha do meu barco
Onde a relha do arado
Abrem rotas e caminho

Teu ventre de seivas brancas
Tuas rosas paralelas
Tuas colunas teu centro
Teu fogo de verde pinho

Tua boca verdadeira
Teu destino minha alma 
Tua balança de prata
Teus olhos de mel e vinho

Bem que o mundo não seria
Se o nosso amor lhe faltasse
Mas as manhãs que temos
São nossos lençóis de linho




Herberto Helder (1930)


O amor em visita
(excertos)

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

(...)

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

(in O amor em visita, 1958)

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