"Uma rua estreita, montada com casas pequenas, germinadas, com janelas de madeira de duas folhas, bem baixas. A rua termina numa linha de trem. Do outro lado da linha, uma ruela de casas ainda mais simples. Quase miseráveis. Se um transeunte caminhasse pela linha do trem por trezentos metros, ao lado direito das paralelas de trilhos, veria uma área delimitada com uma corda. Ali, foram colocados um carrossel, uma roda-gigante e duas barcas-gangorra. Nada se movimenta."
O aroma da casa, as janelas que se voltam para a praça, o coração que se
abre (ou se esconde) em um novo dia: é preciso guardar as impressões da cidade, e
também a grandeza do que é possível. No livro de Maria Vieira, cada passo, pássaro e perda (especialmente a perda) é uma espécie de porto-parágrafo, uma plataforma de embarque (e naufrágio) para o coração.
Em Silêncios no Escuro, a autora amplifica a cegueira das relações, e também as cicatrizes de nossos gestos. Em dezesseis contos, o leitor se encontra na distância dos lares, assim como na familiaridade de nossos ritos. Neste miolo de interdições e promessas, as formas criadas pelo homem (a)guardam um maior significado, e isso vale para o amor, que tanto se esgueira no altar como se renova nas adversidades do dia-a-dia.
Catalogar o mundo é uma forma de nomear o que se esconde no peito. Porém, como descrever a paixão e sua febre, ou ainda a herança e suas misérias? Nem sempre encontraremos um lar para tudo que se apresenta, e talvez por isso a escrita do cotidiano seja permeada por um catálogo de trivialidades, assim como por uma imensidão de miudezas.
Idealizar o mundo é uma forma de esconder o medo que temos do dia seguinte. Porém, se pouco doesse a nossa vida, também pouco encontraríamos em nosso diário e gavetas. Afinal, não importa se em um universo de dois ou tudo: viver é enfrentar a multidão de nós mesmos, e quem sabe traduzi-la em algumas linhas.
"Mal se falavam. Mas a lembrança daquele olhar estranho que de repente varava a fumaça quando tomavam café ao pé do fogão, ainda o surpreendia durante os dias mais quentes, quando o suor lhe umedecia os músculos e (...) se dava conta das mudanças que os membros e o tórax sofriam a cada semeadura, a cada colheita."
Em Silêncios no Escuro, a autora amplifica a cegueira das relações, e também as cicatrizes de nossos gestos. Em dezesseis contos, o leitor se encontra na distância dos lares, assim como na familiaridade de nossos ritos. Neste miolo de interdições e promessas, as formas criadas pelo homem (a)guardam um maior significado, e isso vale para o amor, que tanto se esgueira no altar como se renova nas adversidades do dia-a-dia.
Catalogar o mundo é uma forma de nomear o que se esconde no peito. Porém, como descrever a paixão e sua febre, ou ainda a herança e suas misérias? Nem sempre encontraremos um lar para tudo que se apresenta, e talvez por isso a escrita do cotidiano seja permeada por um catálogo de trivialidades, assim como por uma imensidão de miudezas.
Idealizar o mundo é uma forma de esconder o medo que temos do dia seguinte. Porém, se pouco doesse a nossa vida, também pouco encontraríamos em nosso diário e gavetas. Afinal, não importa se em um universo de dois ou tudo: viver é enfrentar a multidão de nós mesmos, e quem sabe traduzi-la em algumas linhas.
"Mal se falavam. Mas a lembrança daquele olhar estranho que de repente varava a fumaça quando tomavam café ao pé do fogão, ainda o surpreendia durante os dias mais quentes, quando o suor lhe umedecia os músculos e (...) se dava conta das mudanças que os membros e o tórax sofriam a cada semeadura, a cada colheita."
"O
sol estava quente. Disso, ela se lembra. Suspirou, fez bico de choro, o
pai se despediu do lojista e seguiu seu caminho com ela no colo. O
menino de porcelana ficou lá, olhando pra ela. Ah! Se ele estivesse à
venda... Certamente o pai o teria comprado, ou não... Como sabê-lo?
O
que o vendedor não sabia é que a loja não tinha mais proteção. O boneco
foi embora nos olhos da menina, mas ela também não sabia que aquele era
seu último passeio no colo do pai."
Silêncios no Escuro
Maria Viana
A morte e o silêncio são os fios condutores da primeira obra de ficção adulta de Maria Viana, autora conhecida por sua produção de livros didáticos e infantis. A coletânea traz dezesseis contos, que a autora esboçou por cerca de 15 anos, e apresenta fotografias de Laura Campanér. A preseça do pai é recorrente na obra: o tema está estrategicamente posicionado no primeiro e no último conto do livro. No primeiro, explica a autora, ela foi movida por um desejo de homenagear um pai que perdeu muitos filhos antes de ver um deles realmente sobreviver. Já no último, fala também da morte, mas do ponto de vista da criança que presenciou o falecimento do pai.
Mestre em Culturas e Identidades Brasileiras pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP e Bacharel pela mesma instituição, Maria Viana é estudiosa de romances do século XIX. Além disso, é apreciadora das narrativas curtas e admirdora da capacidade de síntese de alguns escritores. Organizadora de vários livros de contos para diferentes editoras, chegou a traduzir um livro de contos de Guy Maupassant. "Essas experiências fizeram-me perceber que escrever contos é muito desafiador, porque é preciso cortar os excessos, não há espaços para descrições e digressões, próprias do romance. Creio que quis cometer essa ousadia; se consegui, não sei", conclui.
Maria Viana
A morte e o silêncio são os fios condutores da primeira obra de ficção adulta de Maria Viana, autora conhecida por sua produção de livros didáticos e infantis. A coletânea traz dezesseis contos, que a autora esboçou por cerca de 15 anos, e apresenta fotografias de Laura Campanér. A preseça do pai é recorrente na obra: o tema está estrategicamente posicionado no primeiro e no último conto do livro. No primeiro, explica a autora, ela foi movida por um desejo de homenagear um pai que perdeu muitos filhos antes de ver um deles realmente sobreviver. Já no último, fala também da morte, mas do ponto de vista da criança que presenciou o falecimento do pai.
Mestre em Culturas e Identidades Brasileiras pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP e Bacharel pela mesma instituição, Maria Viana é estudiosa de romances do século XIX. Além disso, é apreciadora das narrativas curtas e admirdora da capacidade de síntese de alguns escritores. Organizadora de vários livros de contos para diferentes editoras, chegou a traduzir um livro de contos de Guy Maupassant. "Essas experiências fizeram-me perceber que escrever contos é muito desafiador, porque é preciso cortar os excessos, não há espaços para descrições e digressões, próprias do romance. Creio que quis cometer essa ousadia; se consegui, não sei", conclui.
Oi Rebs tudo bem?
ResponderExcluirOlha, parece uma obra muito intensa einh? Realmente acredito que escrever um livro de contos não deve ser fácil, retirar os excessos sem deixar a obra fraca ou sem sentido... Bato palmas para ela. E não sei porque, mas a descrição no início me lembrou um pouco "Os Meninos da Rua Paulo", como eu amei esse livro! <3
Adorei a postagem Rebs!
Beijos,
Ana | Blog Entre Páginas
www.entrepaginas.com.br