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outubro 01, 2017

A Cidade Solitária - Olivia Laing | Editora Rocco


"Não se espera que solidão induza empatia (...); muito da dor da solidão tem a ver com o encobrimento, com sentir-se compelido a esconder a vulnerabilidade, a guardar a feiúra, a cobrir cicatrizes como se estas fossem literalmente repulsivas. Mas por que esconder?

(...) Há muita coisa que a arte não pode fazer. (...) Mesmo assim, a arte tem funções extraordinárias, uma estranha habilidade de negociação entre pessoas, incluindo pessoas que nunca se encontram, mas que se infiltram na vida uma das outras e a enriquecem. Tem uma capacidade de criar intimidade; tem uma maneira de curar feridas e, melhor ainda, de tornar evidente que nem todas as feridas precisam ser curadas, e nem todas as cicatrizes são feias."


Estrangeiro em sua própria casa, gostava de ouvir a vida comum contada por outros que também estrangeiros. Quando criança, os dialetos de sua família (uma herança austro-húngaro-eslovaca) misturavam-se ao aprendizado da língua inglesa, tornando sua fala para muitos incompreensível. Nesta incomunicabilidade, Andrej percebeu que poderia conquistar o mundo em sua própria língua: em uma sociedade à beira da atenção e do desespero, há que ser todo ouvidos, e a vida de Andrej foi dedicada à escuta e aos anseios de toda uma geração.

Andrej era o seu nome, mas a História viria a eternizá-lo como Andy Wahrol.

Longe de ser um tratado sobre Arte, A Cidade Solitária tem início com a solidão da própria autora, que deixou a familiaridade da Inglaterra para iniciar uma vida do outro lado do oceano. Ao chegar em Nova York, o que era esperado desmoronou, principalmente o amor, e esta repentina instabilidade levou-a a um estado de reflexão - e sim, enclausuramento - sem precedentes: "É interessante a ideia de que a solidão pode levar você a uma experiência de realidade que de outro modo seria inalcansável". (p. 13)

Dos destroços de sua relação (Olivia acreditara em um relacionamento, e se "apaixonara, impetuosa e precipitadamente", e viu-se à deriva quando "muito de repente, ele mudou de ideia"), a autora criou as bases deste livro. Em A Cidade Solitária, o leitor encontrará então uma espécie de 'arquivo universal de solidões', e também inúmeras reflexões a respeito de tudo isso:

"É difícil confessar a solidão; difícil também categorizá-la. (...) Havia coisas que me consumiam, não apenas como indivíduo privado, mas também como cidadã de nosso século, ou da era pixelada. O que significa ser solitário? Como vivemos se não estamos envolvidos intimamente com outro ser humano? (...) De maneira alguma eu era a única pessoa intrigada com essas perguntas. Todo tipo de escritor, artista, cineasta e compositor explorou o tema da solidão de um jeito ou de outro, tentando se apossar dele, lidar com as questões que provoca." (p. 13)


Edward Hopper, Andy Wahrol, David Wojnarowicz e Henry Darger são as referências artísticas de Olivia neste universo da solidão. Dentre as inúmeras biografias, a que mais me surpreendeu foi a de Andy Wahrol, que é comumente apresentado como uma excêntrica personalidade que inseriu a crítica à sociedade de consumo americana na pauta da história da arte contemporânea. No texto de Olivia, no entanto, a figura Andy (assim como a de outros tantos artistas) é apresentada de modo humanizado, longe do 'esvaziamento' existente na crítica acadêmica; no texto de Olivia, a arte (assim como a escrita) é uma forma de não nos sentirmos tão sozinhos, especialmente quando a maior parte de nossa experiência permanece incompreensível.

A Cidade Solitária é então composta por experiências pessoais de inadequação e pertencimento: seja através dos relatos da autora como na vida e obra deste conjunto de artistas, é impossível não sentirmos uma proximidade afetiva com todos estes "solitários". Ao tornar pública suas experiências, Olivia desperta no leitor uma conexão que só a experiência da arte e do texto podem proporcionar; afinal, é impossível não nos identificarmos com estes episódios de reclusão e o convívio e com seus diversos "epílogos" possíveis. Nesta Cidade Solitária, talvez seja impossível traduzir a vontade de direção e refúgio: enquanto o mundo permanece inominável, nada mais justo que entendê-lo como um pequeno intervalo de solidão, e também como um prenúncio de alguma saudade e, por que não, esperança e alívio...

"É sobre querer e não querer: sobre precisar que pessoas se derramem sobre você e depois precisar que elas parem com isso, para você restaurar os limites de si mesmo, manter a separação e o controle. É sobre ter uma personalidade que tanto sente falta de outro ego quando teme ser submetido nele (...). Falando muito você horroriza a si mesmo e àqueles à sua volta; falando muito pouco você quase recusa a própria existência (...). Se a solidão deve ser definida como um desejo de intimidade, então incluída nisso está a necessidade de se expressar e ser ouvido, de compartilhar pensamentos, experiências e sentimentos. Não pode haver intimidade se os participantes não estão querendo ser conhecidos, revelados. Mas calibrar os níveis é difícil; ou você não comunica o suficiente e permanece escondido das pessoas ou você se arrisca à rejeição se expondo demais (...). Minha própria decisão tinha sido me calar, embora, às vezes, eu sentisse falta de agarrar o braço de alguém e colocar tudo pra fora."



Sinopse: É possível ser solitário em qualquer lugar, mas há um sabor particular na solidão quando se mora em uma grande cidade. A princípio esse estado pode parecer incompatível com a vida urbana e a presença em massa de seres humanos, mas a mera proximidade física não é suficiente para dissipar a sensação de isolamento interno. Em A cidade solitária, Olivia Laing dá continuidade ao trabalho iniciado no celebrado Viagem ao redor da garrafa e volta a articular vida e arte para, combinando reportagem, literatura, biografia e relato pessoal, analisar a solidão a partir de obras de artistas que, em meio ao dia a dia intenso de uma metrópole, lidaram direta ou indiretamente com esse sentimento ou foram perturbados por ele – com destaque para Edward Hopper, Andy Warhol, David Wojnarowicz e Henry Darger.

Aos 30 e poucos anos, a britânica Laing se viu sozinha em Nova York após uma desilusão amorosa. A partir da ausência, se viu abraçando a própria cidade – a miscelânea de mercearias, os rangidos do trânsito, as lagostas vivas na esquina na Nona Avenida, o vapor subindo pelas ruas. Na maior parte dos dias, fazia as mesmas coisas: sair para comprar ovos e café, caminhar sem rumo pelas ruas, sentar no sofá enquanto o vizinho de cima ouvia jazz a todo volume. Aos poucos, foi começando a perceber que sua aparência era como a de uma mulher pintada por Edward Hopper.

O que significa estar solitário? Como vivemos quando não estamos intimamente envolvidos com outro ser humano? De que forma nos conectamos com outros indivíduos? A tecnologia é capaz de nos aproximar ou simplesmente nos aprisiona atrás de telas? Habitada ainda por outros personagens, de Virginia Woolf a Alfred Hitchcock e Greta Garbo, A cidade solitária traz um texto provocativo, comovente e extremamente humano sobre os espaços entre as pessoas – que, inerentes ao ato de estar vivo, podem ser ocupados pelas estranhas e fascinantes possibilidades da arte. O livro foi considerado um dos melhores do ano por veículos como The Guardian, Observer, Telegraph, Times Literary Supplement, Elle e Slate.

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