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agosto 08, 2016

Flor da Pele, de Javier Moro



Flor da Pele, de Javier Moro

Imagine que você mora no sertão nordestino. Sua família é grande e vocês mal tem o que comer. O calor é insuportável e a sede se faz presente constantemente. Imagine que você como irmã mais velha tem que ser responsável por seus irmãos, mesmo que ainda seja uma criança, porque seus pais precisam trabalhar e não tem ninguém para ficar com vocês. Imagine que uma doença incurável se alastra pela região e o maior medo de todos é que alguém conhecido seja vítima desse mal. Para azar de sua família, sua mãe é a mais nova vítima e não há nada a ser feito, a não ser rezar pela alma dela, limpar toda a casa para impedir que os outros contraiam tal doença e cuidar para que seus irmãos menores não sintam demais a falta da mamãe.

Já deu um nó na garganta? Acredito que a maioria de nós já ouviu uma história parecida, principalmente em um país como o nosso, onde a migração é tão constante, mesmo em tempos difíceis nas metrópoles.

Mas vamos transportar esse cenário para a Espanha, mais precisamente durante o século XVII, quando a varíola, doença existente em nosso meio desde muito tempo, causou uma epidemia que atravessou os mares e poderia facilmente ter gerado uma catástrofe de proporções mundiais, não fosse a preocupação do rei com as colônias além-mar e a persistência de um médico obcecado por seu trabalho.

Acompanhamos essa história através da vida de Isabel Zendal, que muito cedo perdeu a mãe para a varíola. Sendo a mais velha entre seus irmãos, teve que assumir o papel que sua mãe ocupava, cuidando das tarefas de casa e dos irmãos. Mas, em um período onde as pessoas precisavam trocar o pouco que tinham com os vizinhos para terem o que comer, seu pai se viu diante de uma decisão que mudaria a vida de Isabel para sempre. Ele solicitou ao pároco da cidade que arranjasse um emprego para Isabel, mas isso significaria que provavelmente ela teria que ir embora e deixar a família, mas seria uma boca a menos para alimentar e ainda poderia contribuir com o sustento. Como filha obediente, ela aceitou, sofrendo em silêncio o que o destino lhe reservava. A outra opção para a família seria morrerem de fome ou terem de entregar um dos pequenos para adoção ou ainda, como algumas famílias faziam, praticar um infanticídio, o que estava fora de cogitação para a família Zendal.

Isabel se mudou e aprendeu a lidar com a saudade. Também descobriu que seu destino não era tão ruim quanto pensava, afinal ela agora morava com uma família rica e importante e seu trabalho continuava a ser o de cuidar de crianças pequenas; a diferença é que agora, recebia algum dinheiro para isso, além de ter roupas, teto, comida e proteção. A menina cresceu, e se tornou uma jovem respeitável, mostrando uma capacidade de aprendizado e praticidade que a tornou indispensável para a família que a tinha acolhido.

Ingênua e doce, Isabel acabou conhecendo Benito, um militar, e se rendeu aos encantos e lábia do jovem que sonhava ir para a América e fazer fortuna. Tomada de paixão e com receio de seu amor lhe esquecer, quando chegou o momento de separarem, Isabel entregou seu corpo e coração a Benito, recebendo em troca promessas de um futuro promissor juntos.

Mas o tempo passou e Isabel se viu em uma situação insustentável para uma mulher na época: estava grávida e solteira. Desesperada e com vergonha de sua atitude, decidiu contar à família para quem trabalhava que estava esperando um filho, se resignando com o fato de que provavelmente seria posta na rua. O que Isabel não esperava, era que sua patroa cairia vítima da varíola e que seria indispensável para os cuidados da senhora, já que provavelmente estava imune à doença, devido à sua convivência com ela quando criança. Seu zelo e carinho para com essa mulher nunca seriam esquecidos e o patrão, vendo o potencial de Isabel, indicou-a para um trabalho que não lhe pagaria muito mais do que ganhava, mas que abriria um novo horizonte em sua vida, tirando-a da condição de criada.
Isabel assume a direção de um orfanato e cria seu filho junto a tantos outros que são deixados por famílias que não tem condição nenhuma de criá-los.

Paralelamente à jornada de Isabel, a epidemia da varíola se espalha pelos territórios espanhóis, principalmente no novo mundo. O dr. Balmis, médico cirurgião do exército espanhol, é um grande estudioso do processo que hoje conhecemos como vacinação, onde ao receber uma pequena quantidade do vírus de uma patologia, nosso corpo cria os anticorpos necessários para combatê-la. Ele convence o rei do processo e é designado como diretor de uma expedição que levará a vacina contra a varíola até as colônias espanholas no continente americano. Para isso, ele precisa de crianças, que servirão como meio de transporte para o vírus. Seu plano de trabalho encontra resistência na comunidade médica, mas o rei sente a urgência da situação e autoriza a expedição.

É nesse momento que a vida do dr. Balmis esbarra com a de Isabel, e ela sem saída, acaba se tornando a primeira mulher a participar de uma campanha de vacinação, sendo reconhecida atualmente como a primeira enfermeira da história a participar de um feito desses.

Atravessando os mares, vacinando milhares de pessoas por onde passam, a convivência entre duas pessoas de temperamento tão distintos não poderia ser mais complicada e explosiva. O único alento de Isabel é a presença de Josep Salvany, médico assistente de Balmis. Ambos descobrem com o passar do tempo, uma cumplicidade e admiração mútuas. Para Isabel, Salvany é o ideal de um homem bom, sendo sempre generoso e preocupado com todos ao seu redor, inclusive colocando a própria vida em risco, já que sofre com a fraqueza dos pulmões há anos. Para Salvany, Isabel é o bálsamo que faz com que a empreitada da qual aceitou participar, seja mais leve do que é de fato. Em sua presença, ele se sente seguro, forte, querido.

Mas, assim como Salvany, Balmis também vê as qualidade de Isabel e sua beleza o encanta, sua força e inteligência o causam admiração, e ele se vê apaixonado pela jovem, que não retribui seu afeto, ao contrário, chega a sentir repulsa pela atitude do médico, que não se importa com as crianças, nem com ninguém além de si mesmo e o trabalho a que se propôs.

Entre amores e desamores, vencendo dificuldades com a natureza e com a corrupção de políticos locais, o trio leva a cabo a expedição, e no novo mundo, Isabel acaba encontrando o lugar a que realmente pertence e sua vocação como profissional da medicina se manifesta mais forte do que nunca. Ela finalmente deixa para trás o status de mãe solteira, algo que era considerado quase um crime na época e se torna dona do seu próprio destino.

Javier Moro descreve a jornada de Isabel, de maneira muito clara e vívida, transportando-nos para dentro do navio ou da selva, para os conflitos das crianças ou de consciência dos personagens principais dessa empreitada que salvou o mundo de uma epidemia global. Isabel foi uma mulher forte e inteligente, à frente de seu tempo, generosa e capaz de despertar fortes paixões por onde passou, deixando uma profunda impressão em todos que a conheceram e na história da humanidade. Através de sua vida, podemos acompanhar um momento histórico importantíssimo do surgimento do movimento iluminista e a quebra de paradigmas na medicina tradicional, além do surgimento de um procedimento que até hoje salva vidas.

Gratidão eterna a Isabel Zendal por ter doado boa parte de sua vida a cuidar de crianças e pessoas necessitadas, e por ter propiciado o controle de um mal antigo, que poderia facilmente levar ao fim da humanidade como conhecemos hoje. Principalmente por inspirar a força que existe dentro de cada uma de nós, mulheres que amam, que trabalham, que tomam as rédeas da própria vida e se tornam senhoras de seus destinos.

Quer conhecer mais dessa história? Conheça o trabalho do autor Javier Moro.

Por Regiane Medeiros



Flor da Pele, de Javier Moro. Publicado pela Editora Planeta de Livros.

Sinopse: Estamos no início do século XIX, e a varíola, também conhecida como “flor negra” pelas marcas que deixa na pele daqueles que são infectados, é a doença mais temida do mundo. Não há rico ou pobre, criança ou velho, que esteja a salvo. Ao menos até pesquisadores começarem a testar um método ousado, porém eficaz, que consiste em provocar infecções atenuadas em pessoas saudáveis, tornando seus organismos resistentes ao mal. É nesse momento que uma jovem mãe solteira, Isabel Zendal, torna-se a primeira enfermeira da história numa missão internacional. 

Acompanhada por vinte e duas crianças com idades entre três e nove anos, ela parte rumo aos territórios espanhóis no além-mar para levar a recém-descoberta vacina da varíola à populações pobres. A expedição é liderada pelo médico Francisco Xavier Balmis e por seu ajudante, Josep Salvany, que enfrentarão a oposição do clero e a corrupção de autoridades locais – e também disputarão o amor de Isabel. A história real de amor e coragem de Isabel Zendal, à qual o best-seller Javier Moro teve acesso após ampla pesquisa, é retratada neste romance com a mesma riqueza de detalhes e delicadeza de outros sucessos do autor, como Paixão índia e O sári vermelho.

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