Contos e crônicas carregam no peito o cotidiano e alguma informalidade; ainda hoje, é possível que nas páginas do jornal de sua cidade você encontre alguma história de ares tão ficcionais, porém tão próximas, que seja quase impossível dizer se é verídica história ou sua própria mitologia.
O Rio de Janeiro, assim como muitas capitais, tem em seu passado e literatura um grande punhado de escritores-jornalistas que, em folhetins diários, compartilhavam crônicas de impérios e esquinas, amores, bondes e reformas trabalhistas, e também açoites, decretos e o velório da casa vizinha. Como não lembrar de Machado de Assis, Drummond, Cecília, Nelson Rodrigues e seus retratos de tudo isso...
Esta atenção ao dia-a-dia e suas invenções é certamente uma das heranças de nossos modernos pares literários, e se eu fosse indicar um primeiro autor para esse estudo da cidade e seu cotidiano, seria João do Rio, autor especialmente conhecido por sua obra A Alma Encantadora das Ruas:
Esta atenção ao dia-a-dia e suas invenções é certamente uma das heranças de nossos modernos pares literários, e se eu fosse indicar um primeiro autor para esse estudo da cidade e seu cotidiano, seria João do Rio, autor especialmente conhecido por sua obra A Alma Encantadora das Ruas:
"Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua."
E é com este quinhão sócio-antropológico de humores e história e também urbanidade que Os Contos Completos de Alberto Mussa chegam até nós, em uma edição que reúne obras anteriores do autor, desta vez revisitadas, e de certo modo reescritas, reinventadas. Em entrevista ao Blog da Editora Record, diz o autor sobre este processo de escrita:
Record: Sua obra tem forte relação com os mitos e a ideia de
que toda escritura é, na verdade, recriação. O que não abole o
inesperado, o extraordinário, o traiçoeiro. Nesse recente mergulho por
sua obra completa, o que você próprio encontrou de inesperado?
Alberto: Inesperado é perceber que, a partir de um argumento, eu poderia ter escrito muitas histórias diferentes. Perceber que cada conto permite ser recriado de várias outras formas, ou perspectivas. Perceber que é sempre possível reescrever.
Alberto: Inesperado é perceber que, a partir de um argumento, eu poderia ter escrito muitas histórias diferentes. Perceber que cada conto permite ser recriado de várias outras formas, ou perspectivas. Perceber que é sempre possível reescrever.
Record: Há
algum tempo você tomou a decisão de diminuir consideravelmente a
vastíssima biblioteca que mantinha em casa. É verdade que esse processo o
aproximou ainda mais das narrativas curtas? Por quê?
Alberto: Talvez porque prefira, antes de tudo, o mito. E o mito se caracteriza por ter o máximo de conteúdo com um mínimo de expressão. Por isso, para mim, o mito é o gênero narrativo por excelência. Na literatura, em sentido estrito, nas manifestações escritas da narrativa, é o conto que faz o papel do mito. O romance, na verdade, é o gênero da redundância e da repetição. Numa limpeza de estantes, é natural que saiam mais romances que coletâneas de contos. É uma questão de fita métrica.
Alberto: Talvez porque prefira, antes de tudo, o mito. E o mito se caracteriza por ter o máximo de conteúdo com um mínimo de expressão. Por isso, para mim, o mito é o gênero narrativo por excelência. Na literatura, em sentido estrito, nas manifestações escritas da narrativa, é o conto que faz o papel do mito. O romance, na verdade, é o gênero da redundância e da repetição. Numa limpeza de estantes, é natural que saiam mais romances que coletâneas de contos. É uma questão de fita métrica.

Alberto Mussa com propriedade recria um Brasil de nossos-povos, onde a origem é parda, pirata e indígena, desbravadora e também náufraga, neste encontrar/desencontrar-se pelos trópicos, estilhaços, carnes e febres. Nestes contos, a escrita de Mussa transborda ritual e rítmica, tal como a alma de seus personagens, que desaguam em tantos séculos de história, e especialmente na sensibilidade de seu tradutor e cronista.
Para uma nova origem de nosso mesmo Brasil, visite o trabalho de Alberto Mussa! Certamente será uma grande descoberta pra você!
Sinopse da Editora: Esta
coletânea de contos tem, pelo menos, uma particularidade. Os contos que
a compõem são, em sua maioria, retomadas de textos anteriores do autor.
Não são simples reedições: são reescrituras, novas versões cujo
espectro varia desde a quase literalidade até a completa reformulação,
ou a mixagem de textos anteriormente dispersos. Do Brasil
recém-descoberto às favelas e bares cariocas, da África profunda aos
nossos terreiros de candomblé, da Grécia homérica aos sambas-enredos, do
Egito faraônico aos poetas árabes pré-islâmicos, Alberto Mussa recolhe
mitos e causos até compor um repertório absolutamente original.


Biografia: Alberto Mussa nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Sua ficção abarca o conto e o romance, com destaque para o “Compêndio Mítico do Rio de Janeiro”, série de cinco novelas policiais, uma para cada século da história carioca. Recriou a mitologia dos antigos tupinambás; traduziu a poesia árabe pré-islâmica; escreveu, com Luiz Antônio Simas, uma história do samba de enredo; e organizou, com Stéphane Chao, o “Atlas universal do conto”. Entre outras distinções, ganhou os prêmios Casa de Las Américas, o de Ficção, da Academia Brasileira de Letras, o Machado de Assis (duas vezes), da Biblioteca Nacional, e o da APCA (também duas vezes). Seu romance mais recente, “A primeira história do mundo”, foi um dos vencedores do Oceanos 2015. Sua obra está hoje publicada em 17 países e 14 idiomas.


Que bonito, nunca tinha ouvido falar nele. (Vou comentar aqui, copiando tudo, qualquer coisa, colo no instagram!) Deu uma pena do seu livro abertinho assim, coitado, mas foi por um bom motivo, as fotos ficaram bonitas. :)
ResponderExcluirBeijos!