"IV. A quem eu ouço
Dou ouvidos a algo que soa dentro de mim de maneira constante, mas não regular, dando-me ora indicações, ora ordens. Quando indica, discuto; quando ordena, obedeço.
O que manda é o verso primevo, imutável e insubstituível, a essência que aparece sob a forma de verso. (Na maioria das vezes, aparece como os dois últimos versos do poema, em volta dos quais, depois, cresce todo o resto.) O que indica é a trilha sonora para o poema: ouço o canto, não ouço as palavras. As palavras eu procuro.
(...) Ouvir corretamente — eis minha tarefa. Não tenho outra.
V. Para quem eu escrevo
Nem para milhões nem para uma única pessoa nem para mim mesma. Escrevo para a própria obra. Ela escreve a si própria através de mim. Para chegar aos outros ou a mim?
(...) Duas palavras sobre o dinheiro e sobre a fama. Escrever pelo dinheiro é uma baixeza, escrever pela fama é um ato de bravura. Aqui também se enganam o linguajar corrente e o pensamento comum. Escrever para qualquer outra coisa que não seja a própria obra é condená-la a durar um dia e nada mais. Assim é que se escrevem apenas os artigos de fundo — e talvez eles tenham que ser escritos assim mesmo. Fama, dinheiro, triunfo de uma ou de outra ideia, qualquer finalidade secundária, lateral à obra, é seu fim. O texto, enquanto está sendo escrito, é o fim em si mesmo.
Por que escrevo? Escrevo porque não posso não escrever. A resposta da pergunta sobre a finalidade é a causa, e não pode ser de outra maneira."
(trechos da obra O Poeta e o Tempo, publicada pela Editora Âyiné)
Nem para milhões nem para uma única pessoa nem para mim mesma. Escrevo para a própria obra. Ela escreve a si própria através de mim. Para chegar aos outros ou a mim?
(...) Duas palavras sobre o dinheiro e sobre a fama. Escrever pelo dinheiro é uma baixeza, escrever pela fama é um ato de bravura. Aqui também se enganam o linguajar corrente e o pensamento comum. Escrever para qualquer outra coisa que não seja a própria obra é condená-la a durar um dia e nada mais. Assim é que se escrevem apenas os artigos de fundo — e talvez eles tenham que ser escritos assim mesmo. Fama, dinheiro, triunfo de uma ou de outra ideia, qualquer finalidade secundária, lateral à obra, é seu fim. O texto, enquanto está sendo escrito, é o fim em si mesmo.
Por que escrevo? Escrevo porque não posso não escrever. A resposta da pergunta sobre a finalidade é a causa, e não pode ser de outra maneira."
(trechos da obra O Poeta e o Tempo, publicada pela Editora Âyiné)
Nesta postagem, compartilhamos recortes da obra literária de Marina Tsvetáieva (1892–1941), poetisa e tradutora russa, cujo trabalho permanece pouco difundido em nosso país. Embora algumas ilustres traduções de seus poemas - como as de Augusto de Campos e Décio Pignatari - tenham sido há alguns anos publicadas, tais edições são dificilmente encontradas.
Em catálogo, encontramos três ensaios em O Poeta e o Tempo, publicado pela Editora Âyiné. Ainda desta editora, recomendamos o contato com os títulos da "Biblioteca Antagonista", que reúnem autores como V. S. Naipaul, Joseph Roth, George Steiner e muitos outros.
Sinopse: Marina
Tsvetáeva fixou o olhar longamente, ao longo de toda a sua vida, sobre
uma divindade aterrorizante: o tempo. "Dou ouvidos a algo que soa dentro
de mim de maneira constante, mas não regular, dando-me ora indicações,
ora ordens. Quando indica – discuto; quando ordena – obedeço". Esse
"algo que soa" era a palavra de poesia. O tempo aterroriza porque "ele
só corre porque corre, corre para correr", mas «não corre para lugar
nenhum".
A palavra poética, que se pretende absoluta desde os grandes românticos, é o paradoxo de um imponderável que permanece intacto, presa de nós todos, que "somos lobos do bosque impenetrável do Eterno".
Sobre essa tensão, que vibra um instante antes de se romper, Marina Tsvetáeva construiu a sua obra. O livro que aqui se apresenta reúne três ensaios que possuem exatamente essa tensão como objeto, tocando assim o segredo de Tsvetáeva. Desde Novalis, raras vezes o risco da poesia como absoluto encontrou uma formulação tão drástica, tão elementar, tão peremptória. Tsvetáeva atenua o fanatismo da forma, que é a nossa herança moderna. Nela, um coração profundamente arcaico nos transmite "batidas que dão a exata pulsação do século".
Alguns poemas traduzidos:

"Os tchecos se acercavam dos alemães e cuspiam."
(Cf. jornais de março de 1939)
Tomaram logo e com espaço:
Tomaram fontes e montanhas,
Tomaram o carvão e o aço,
Nosso cristal, nossas entranhas.
Tomaram trevos e campinas,
Tomaram o Norte e o Oeste,
Tomaram mel, tomaram minas,
Tomaram o Sul e o Leste.
Tomaram a Vary e a Tatry,
Tomaram o perto e o distante,
Tomaram mais que o horizonte:
A luta pela terra pátria.
Tomaram balas e espingardas,
Tomaram cal e gente viva.
Porém enquanto houver saliva
Todo o país está em armas.
(Trad. Augusto de Campos)
À VIDA
Não colherás no meu rosto sem ruga
A cor, violenta correnteza.
És caçadora - eu não sou presa.
És a perseguição - eu sou a fuga.
Não colherás viva minha alma!
Acossado, em pleno tropel,
Arqueia o pescoço e rasga
A veia com os dentes - o corcel
Árabe
(Trad. Augusto de Campos)

Vou chegar tarde ao encontro marcado,
cabelos já grisalhos. Sim, suponho
ter-me agarrado à primavera, enquanto
via você subir de sonho em sonho.
Vou carregar esse amargo – por largo
tempo e muitos lugares, de penedos
a praças (como Ofélia – sem lámurias)
por corpos e almas – e sem medos!
A mim, digo que viva; à terra, gire
com sangue no bosque e sangue corrente,
mesmo que o rosto de Ofélia me espie
por entre as relvas de cada corrente,
e, amorosa sedenta, encha a boca
de lodo – oh, haste de luz no metal!
Não chega este amor à altura do seu
amor ... Então, enterre-me no céu!
(18 de junho de 1923)
A CARTA
Assim não se esperam cartas.
Assim se espera - a carta.
Pedaço de papel
Com uma borda
De cola. Dentro - uma palavra
Apenas. Isto é tudo.
Assim não se espera o bem.
Assim se espera - o fim:
Salva de soldados,
No peito - três quartos
De chumbo. Céu vermelho.
E só. Isto é tudo.
Felicidade? E a idade?
A flor - floriu.
Quadrado do pátio:
Bocas de fuzil.
(Quadrado da carta:
Tinta, tanto!)
Para o sono da morte
Viver é bastante.
Quadrado da carta.
(Trad. Augusto de Campos)
(Monumento a Marina Tsvetaeva, em Moscou)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirgente, a tsvetáieva nascem em 8 de outubro, ela não se exilou por opor-se à revolução de outubro (emigrou, para reunir-se ao marido, cadete branco), as filhas morreram em épocas bem distintas e ela definitivamente não presenciou, seria bom precisar melhor "indiferença da paris literária" assim como o suicídio por "pressão do stalinismo", não é devido à vastidão (quiçá pela diversidade) que críticos se voltam a essa "obra exemplar e única", mas primeiro pq sua filha se dedica a reunir essa obra, depois porque é muito autêntica. desculpe corrigir, mas acho importante, porque há muitas incorreções e pode confundir as pessoas interessadas em conhecer a obra de marina tsvetáieva. estou imaginando que vcs não inventaram nada disso, então, gostaria de pedir a gentileza de compartilharem comigo as referências que usaram, inclusive, a data de nascimento. obrigada!
ResponderExcluirOlá, Paula. Agradecemos as observações. Nosso acesso ao trabalho da autora deu-se através de releases da obra "O Poeta e o Tempo" e demais informações compartilhadas em blogs e veículos de comunicação similares aos nossos. Realmente não havia recorrido a fontes primárias e tampouco acadêmicas, portanto, já modificamos o texto de modo a compartilhar com os leitores apenas um recorte de sua obra poética sem especulações quanto a sua biografia.
ExcluirCaso disponha de referências textuais que considere ser importante para nossos leitores, por gentileza, compartilhe tais informações aqui nos comentários. Certamente será de grande proveito para todos!
Atenciosamente,
Rebeca
oi, rebeca. obrigada pela resposta.
Excluireu indico o livro de poesias organizado e traduzido pela Aurora Fornoni Bernadini: "Indícios flutuantes" e "Vivendo sob o fogo", uma reunião dos diários organizada por Tzvetan Todorov e traduzida a partir do francês e do russo também por Bernardidni.
além disso, saiu um texto dela também na coletânea "Escritos de Outubro", da boitempo. o ensaio se chama "Do diário" (tradução minha).
por fim, indico meu próprio trabalho acadêmico: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-01062015-182251/pt-br.php
há outros trabalhos acadêmicos, concluídos, como uma dissertação de mestrado sobre o teatro dela, de Raquel de Toledo, que você pode encontrar buscando por "tsvetáieva" ou pelo nome da autora no banco de teses da usp, e em andamento, tenho notícias de dois na usp e um na ufjf.
vc tem razão quando diz que a obra dela é ainda pouco difundida entre nós, mas tem despertado bastante interesse acadêmico e editorial sobretudo na última década, embora o primeiro trabalho seja a tese de livre-docência de Bernardini, que resultou no livro que te indiquei.
sugiro que republique o post em 8 de outubro, aniversário da poeta.
mais uma vez, obrigada!
Obrigada pelas preciosas dicas, Paula! :)
ExcluirAté a próxima!
Rebeca