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março 26, 2016

[Resenha] Por onde andam as pessoas interessantes?, de Daniel Bovolento


E eu já não sei mais se é a gente que deixou a coisa da conexão emocional se apagar por conta do momento, da apatia, da vontade interna de manter as coisas caladas, ou se o mundo não tem proporcionado bons encontros com gente interessante - que deve andar escondida. Talvez nós tenhamos nos tornado desinteressantes pela apatia. (p. 11)


E um dos recebidos de março foi Por onde andam as pessoas interessantes?, de Daniel Bovolento, publicado pela Editora Planeta de Livros em 2015. Nesta coletânea de crônicas, Daniel fala das (im)possibilidades do amor e seus (des)encontros, em histórias que de tão reais parecem impossíveis. Afinal, do amor a gente sempre duvida. E de nós mesmos então... nem te digo. Mas olha, taí um livro imperdível, viu? :)

Sinopse: Daniel parece sangrar um pouco a cada crônica que escreve. Trata de amor com a eloquência lírica da juventude e, ao mesmo tempo, com conclusões empíricas, de quem desde muito cedo aprendeu a observar e registrar o comportamento e as relações humanas. Papo de botequim diriam alguns, mas o fato é que seus textos nos despertam os sentidos, nos tiram do estado letárgico: agrada, alivia, incomoda, angustia... Não importa, faz sentir porque faz sentido.


Sobre o autor: Daniel Bovolento é publicitário, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e criador do blog Entre Todas as Coisas e escritor. Também atua como colunista do Casal Sem VergonhaÁrea H e outros grandes portais de comportamento.




Algumas histórias só podem existir em seu coração, 
não em sua vida


Eu passo por você todo dia e você nem repara, como se em um mundo sem par vivesse, à sombra das canções e também dos livros, a dedo escolhidos, e diariamente revistos, qual narrativa repetida, que não percebes, e que em silêncio observo, neste meu passo nada apressado, e o coração acelerado, como se à espera deste mundo em que junto à franja te escondes, e onde eu também me esconderia.

Tem uma coisa que eu nunca te disse. Mais de uma até, e que poderíamos conversar, talvez hoje ou amanhã, se você não estiver ocupado, te ligo na hora do almoço, quando acabar a reunião e você sair da sala, e quiser reclamar do cara do financeiro, ou beber um café, talvez sexta, umas seis e quinze ou dezenove, se o relatório estiver finalizado, e o coração doer menos, sim, eu te entendo, a dor é algo que eu também nunca te disse.

Cruzo a soleira da porta e ela fala que a gente se vê. Imagino-te assim, qual poeta em Coimbra, embora carioca, de bairro próximo a palmeiras, de onde rabiscas partituras e arpejos, ih, qual é menina, e sorrio, pois bem sei de teu gingado, paguei pra ver, porém não mais te entendo as gírias, dá pra traduzir, ó, vê se entende guria, o amor é como o sol, que bate na laje, e cega o destino, assim como a tarde, em que juntos tropeçamos, droga, amassei teu livro, deve ser por isso que a gente não mais se vê.

Ela gostou dele no momento exato em que colocou os olhos nele. Oi, esse é meu nome, que não guardei, guardei tuas cores, a camisa salmão, teu olhar castanho, tão distante como um fim de semana, meio assim cansaço e alegria, que imaginei compartilhar contigo, e compartilhamos, até você não mais enxergar-me primavera, que agora bem clara, como o verde dos olhos e a vontade de partir.

Hoje foi a primeira vez que eu não escrevi sobre você, e eu sei que você ainda está aqui, para saber o quanto não falei de você, ou se em outro romance o esqueci. Porém sabes quem sou - o que na verdade é bem esquisito, e acredito que você agora tenha até sorrido, pois um qualquer instante é suficiente para uma literatura, ou um novo caminho.

São três da tarde e você ainda não chegou. Ou talvez na sala você esteja, a tevê ligada, Botafogo versus Curíntia, porque hoje é domingo e odeias São Paulo, a ausência, e todos os seus times.

É tão estranho quando passa. Tão estranho que você conta, assim de peito estufado, pro cara do bar e pro melhor amigo, olha só cara, eu já fui infeliz, mas caí fora, não tô mais nessa, faz o mesmo, tu tem que se importar com as coisas de um outro jeito, assim ela se manca, e tropeça em si mesmo, quer dizer, nela mesma, acho que é isso.

Ele disse que era hora de eu pensar mais em mim. Não foi bem assim, mas a gente inventa, e diz que o final foi um ponto ao qual chegamos, como soldados sobreviventes a um ataque, e que hoje voltam pra casa, com alguns arranhões, porém inteiriços. E quando a fábula é assim descrita, a gente até acostuma, até acredita.

De verdade, meu bem, eu não acredito que você exista. Mas nesta invenção de diálogos te encontro, e assim nos perdemos.




(pensei que escrever sobre o amor seria mais fácil)


...

As primeiras frases em negrito são do Daniel. Mas as histórias podem ser tuas, ou inventadas, ou também minhas, porque afinal, quando a gente gosta muito de uma história, a gente quer mais é conversar com o autor, quer contar pros amigos, e esticar essa conversa, que começa lá nas páginas de Por onde andam as pessoas interessantes?, e continua neste blog, a cada momento preenchida, por minhas e suas e nossas reticências. As últimas palavras serão também as de Daniel, que a todos dedicou seu mundo, e por isso a todos recomendaremos este seu livro, que também lido por nossa colunista Regiane, cuja apreciação estará no post seguinte :)



É uma pena, amor. Eu não queria, a gente nunca quer; a gente quer contar uma história bonita; acredita em mim, acredita nisso. A gente quer o diferencial do sonho que deu certo, mesmo com todas as dificuldades, mesmo com as coisas que a gente atira no outro feito navalha do dia a dia. No fim das contas, a gente quer abraçar e dizer que vai dar tudo certo e que deu tudo certo e que foi só uma fase, mas quantas fases iguais a essa a gente passa até passar de vez? Eu teria aguentado mais um pouco; sempre aguento, sempre lembro a primeira vez em que disse que seria um prazer te conhecer. Sempre lembro? Agora eu já não lembro mais. (p. 52)



Daniel Bovolento, Por onde andam as pessoas interessantes?. SP: Planeta de Livros, 2015.

Um comentário:

  1. "Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta. Que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém."
    Caio F. Abreu
    Falar de amor não é fácil, mas sempre necessário <3

    https://bloggihmedeiros.blogspot.com.br/

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