"A partida sempre chegava como uma surpresa, não importava quanto tempo fazia que as datas vinham se aproximando no calendário. Jim havia feito as malas na noite anterior, mas, agora, momentos antes da partida agendada, sentia-se inquieto. Estava levando livros suficientes? (...) Estava levando seu tênis de corrida? (...) Em outro lugar da casa, Jim ouvia a mulher a filha em idênticos acessos de pânico de última hora, subindo e descendo às pressas as escadas, com um derradeiro item esquecido em uma pilha perto da porta.
Jim teria retirado das malas certas coisas se possível: o último ano de sua vida e os cinco anteriores, que o haviam subjulgado; o jeito com o Franny o olhava do outro lado da mesa de jantar à noite; (...) os dias monótonos que teria que preencher ad infinitum."
Férias frustradas em família. Parece título de filme dos anos 80, e poderia também ser uma breve descrição para o livro Os Veranistas, da autora Emma Straub.
Em uma narrativa meticulosa, Emma transforma em ficção o cotidiano de uma típica família americana: a história tem início com Jim, esposo e marido, atualmente afastado de suas atividades profissionais (ou seja, demitido), vivendo a chamada crise de meia idade, e fazendo as malas para uma viagem em família rumo a ilha de Maiorca, na Espanha. Passagem aérea em mãos, Jim tenta convencer sua esposa e filha de que esta é uma oportunidade em anos, e que o descanso e reencontro entre familiares e amigos será ótimo para acalmar os ânimos e reaproximá-los, afinal, apesar dos pesares (e eram muitos os pesares mesmo), ainda eram uma família, eram ainda a família Post.
É claro que uma despesa de viagem assim, em meio a uma demissão recente, só poderia ser na verdade um álibi de Jim para (tentar) colocar em prática seu plano de reconciliação, afinal, ele realmente desapontara sua esposa e filhos, e o livro segue com esta crença de que algumas semanas de paradisíacas férias farão com que Jim novamente conquiste a atenção e respeito de sua família - ou pelo menos um pouco de tranquilidade (e menos louças atiradas na parede) em sua própria casa.
Por entre malas e aeropostos, a autora nos apresenta Franny, a esposa, que, por culpa de Jim (assim acredita), carrega as amarguras (e sim, histerias) de um relacionamento de muitas décadas, mas que ainda necessário. Afinal, o que diriam os vizinhos de seu fracassso como mãe, exímia anfitriã de jantares e reuniões, e claro, esposa de Jim? Não, não, um divórcio não estava nos planos de Franny, mesmo após O Incidente (mais conhecido como "pisada de bola" de Jim), já que seu orgulho era maior que qualquer adversidade, e manter
A terceira personagem Veranista é Sylvia, a filha recém-universitária que, muito a contragosto, embarca nesta viagem com os Post, já sabendo que um reencontro com seu irmão Bobby (o irmão mais velho e "bon vivant") e um curso intensivo de espanhol eram as "surpresas" que a aguardavam em Maiorca. Com esta "disposição" no rosto e alguns livros ena mala, Sylvia começou a rascunhar uma irônica, porém previsível, lista de afazeres pré-faculdade:
"Sylvia abriu novamente a agenda e retornou à lista que havia elaborado: Coisas para Fazer Antes da Faculdade. Até o momento, havia apenas quatro entradas: 1. Comprar lençóis extralongos. 2. Geladeira? 3. Pegar um bronzeado. (Artificial?) (Ah, me matar primeiro.) (Não, matar meus pais.) 4. Perder a virgindade. Sylvia sublinhou o último item da lista, em seguida desenhou alguns rabiscos na margem. Aquilo abrangia basicamente tudo."
Quando em Maiorca, após alguns mapas e estradas errados, Jim, Franny e Sylvia chegaram a um vilarejo paradisíaco, onde uma paradisíaca residência os aguardava. Outros personagens também se juntaram ao trio: Bobby e sua namorada Carmen (uma mulher bonita e independente, porém muito mais velha que Bobby - Carmen fora uma espécie de chefe-supervisora de Bobby!, e nem é preciso dizer que este era um grande desgosto para Franny, não é mesmo), além de Charles (melhor amigo e confidente de Franny) e seu marido Lawrence.
A história de Emma Straub é assim feita de minuciosos hábitos, confissões, desaforos e desejos da familia Post; Os Veranistas acaba sendo um livro extremamente detalhado, e por vezes denso, que quase se arrasta, como um relacionamento que sobrevive graças a esta desnecessária porém desmedida atenção ao nada, a cada coisinha que desfaz ou providencia o nosso caminho. Os Veranistas é então uma história sem muitas estórias (ainda que um amor de praia, um desejo de juventude e uma traição de escritório sejam alguns dos episódios quase incendiários desta viagem em família), e portanto uma espécie de (irônica) alegoria para o cotidiano de qualquer um de nós que se disponha a não mais viver sozinho.
"Apesar das circunstâncias, Franny estava satisfeita (...) por ter seus dois patinhos juntos sob seu teto mais um pouco. (...) O coração era um órgão complexo em qualquer idade. Os adolescentes não eram menos suscetíveis à verdadeira mágoa e à luxúria do que a serem atropelados por um ônibus. Na realidade, as chances eram dramaticamente mais elevadas.
(...) Franny fechou os olhos e pousou o rosto no ombro de Jim. (...) Não havia nada mais difícil ou mais importante na vida do que concordar, todas as manhãs, em manter o curso, retornar ao antigo eu, de muitos anos atrás, e tomar a mesma decisão. (...) Franny entrelaçou firmemente ambos os braços no braço direito de Jim, pronta para qualquer turbulência adiante."
Os Veranistas - Emma Straub
Uma quinzena de férias com hospedagem numa casa confortável, com piscina, em local ensolarado, repleto de praias belíssimas, na companhia da família e de amigos íntimos nem sempre corresponde a momentos agradáveis e de lazer. Em Os veranistas, a escritora Emma Straub analisa as contraditórias relações de afeto na contemporaneidade, deslocando para Palma de Maiorca, na Espanha, um grupo de sofisticados nova-iorquinos que estão vivendo uma fase de transição de suas vidas, enquanto superam traições amorosas. O resultado é um romance encantador sobre a vida em família, a amizade e o amor.
Montando cenas incômodas, em que eclodem as pequenas rusgas permitidas pela intimidade entre pessoas que se conhecem profundamente, Emma Straub entrega os personagens ao leitor, que os recebe como membros de sua própria família. Os hábitos de cada um, que irritam ou encantam os demais, compõem essa extensa e intensa reunião de figuras notáveis, mas que são tão familiares quanto as que encontramos no dia a dia. Uma narrativa que hipnotiza o leitor por sua aparente simplicidade e, principalmente, pela profundidade do que discute: a dificuldade das escolhas numa sociedade em que todas as ligações podem ser facilmente desfeitas.
Oiii! Não tinha visto esse livro ainda. A vapa é incrível, como comentou no IG, mas a história não me interessou nem um pouco.
ResponderExcluirA resenha está otima, detalhada, mas o livro em si não me atraiu :(
www.papuff.com
Oi Mariana! Alguns livros acabam sendo "muito reais" mesmo né... Ler e lembrar de nossas famílias é algo conflituoso, sempre... Mas dá pra ler como se fosse um livro de viagem também, já que a autora descreve bem os cenários e paisagens da Ilha de Maiorca (que é um lugar que, particularmente, sempre quis conhecer), e isso acaba sendo uma espécie de "escape" para as páginas e páginas de confusões (e confissões) da família Post rs.
ExcluirObrigada pela visita! :) Bjs