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junho 29, 2017

São João, o romance e o romancista


A voz desafinada não a impediu de subir no palco. Vestida de cores, estampas e confiança, pegou a zabumba a sanfona e o triângulo e iniciou um coro de cantigas juninas. Eram poucas as pessoas no palco, e também pouca a plateia; importava o fim de uma cinza tarde, a beleza de suas árvores iluminadas, o arraiá de decorações, fantasias e bandeirinhas, o encontro de casais apaixonados, e também o dos entediados, afinal é inverno, e o carioca não aprecia casacos, muito menos em meio a abraços, e também nem sempre junto a canções antigas.

Bem antes das seis então, ali bem próximo ao palco, casais e crianças se atrapalhavam com o atropelo da sanfona, e discutiam sobre o tempo e suas vestes bonitas, ai que frio, vamos lá filha, é dois pra lá e muitos pra cá, segura na mão do papai, olha o cachorro, bonito né, nossa, tá alta essa música, vai lá comprar pipoca amor, ok, vou ali comprar cerveja, quer dizer, pipoca.

Canções de amor e São João de algum modo resistem à cidade, assim como aos food trucks e à nossa antipatia. Embora sem coreto ou cortejo, a saudade é a confissão de tudo o que persiste e, nesta empatia, pouco importa o arranhão do disco ou de nossos desalinhos; em meio a barracas de churrasco temaki pão de queijo e risoto (onde foi parar a canjica?), é possível restaurar a companhia e o sorriso, e se divertir ao som de boas lembranças, assim como ao sabor de um quitute ou um beijo, e também ao ritmo de um forró atravessado, e das muitas lâmpadas nos galhos da amendoeira. Pensar em tudo isso faz com que a Nova Cidade seja apenas mais um cenário onde não precisamos a todo tempo fugir - ainda que a canjica e o Gonzaga não estejam presentes; ainda que o trânsito e algumas despedidas sejam fotografias que não gostaríamos de ter vivido.

Gostaria de dançar, claro, com muito prazer, cuidado filha, quanto custa a cerveja moço, esqueci de passar no mercado, vinte e três é São João ou Sant'Antônio, hoje é o seu aniversário, amor, eu sei, e também o do romancista.
 

Da série: Um dia no Rio de Janeiro
Por Rebeca Cavalcanti

Um comentário:

  1. Coisa boa é ler um texto assim, que nos remete a um lugar bem longe da nossa labuta diária e dos revezes que nos causam tanta fadiga. Arrasou Reb <3
    Bjoooo

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